Não dá para começar um novo ano ou um novo ciclo na vida, sem perdoar. A paz é fruto do perdão. Perdoar a Deus. Perdoar as pessoas, amigos e inimigos. Perdoar a si mesmo. Não podemos permanecer esmagados pela mágoa e pelo ressentimento. Não há vida nova assim. O humilde perdoa. E recomeça.
“Reconcilia-te…!” (cf. Mt 5,25), com aquele (a) que caminha contigo. Esta Palavra grita do Evangelho para o nosso coração especialmente na última noite do ano. Sem perdão e reconciliação a vida se torna pesada demais e caminhar se torna impossível. Para caminhar junto é necessário não ter o irmão de humanidade como adversário, mas como companheiro de jornada. Este irmão primeiro é Deus, no seu Filho feito homem, pela graça do Espírito Santo. Também cada ser humano, que sem a autorização divina jamais nasceria no mundo. Também é o irmão de fé, cristão conosco, em quem habita o Espírito como num templo (cf. 1Cor 3,16).
Deus, por vezes, tem suas ausências. É próprio dEle manifestar-se no tempo certo de seus desígnios. E, nalguns casos, suas vontades e escolhas diferem das nossas. Isso nos magoa. Por isso, faz-se necessário abandonar o ressentimento contra Deus para cessar os lamentos. Ele é pessoa divina, digno de ser amado e adorado, e também digno de ser perdoado, pois se relaciona conosco; e somos ainda muito diferentes dEle – nós temporais, Ele, eterno (cf. 1Cor 15,28).
Aqueles que chamamos amigos também tem suas ausências. Bastante egocêntricos e ainda não perfeitamente treinados no amor-doação, queremos ser amados do nosso jeito e segundo nossas prioridades. Nem sempre somos capazes de acolher o que nossos amigos têm para dar. Precisamos perdoá-los, quando também manifestaram seu egoísmo, fechando-se em si mesmos. Quando não nos enxergam, passando e seguindo adiante, sem ver-nos a nós e às nossas necessidades.
Nossos inimigos gratuitos, e adversários que maltratamos. Há pessoas que nos desejam o mal gratuitamente, por inveja, por exemplo. Há, ainda aqueles, que nós maltratamos e tramam a vingança contra nossa vida. Como não podemos impor ao coração das pessoas o que devem sentir, faz-se necessário perdoar, mesmo que isso nos custe muito, para não vivermos nutrindo o sentimento de perseguição interior que poda nossa liberdade de ser.
Há ainda aqueles que nos feriram na alma gravemente. Em quem tínhamos grande expectativa, e causaram profunda frustração e escândalo. Não podemos viver em paz sem libertar esses irmãos e irmãs das correntes do nosso amor próprio ferido e machucado.
Finalmente, precisamos nos perdoar a nós mesmos, pois nos culpamos demais, caso sejamos bons neuróticos: quer do bem que deveríamos fazer e não fizemos, quer do mal que deveríamos evitar e não evitamos. Aceitar nossa imperfeição, e a pobreza espiritual que sempre nos aprisiona ao vício do pecado. Para mudar e transformar-se, faz-se necessário conhecer-se, amar-se e perdoar-se. Não é questão de acomodar-se. Mas de saber com clareza qual o ponto de partida da nossa conversão: como um atleta que no início da corrida entende sua capacidade física, seu trabalho muscular, e pesa o desafio do caminho e do tempo. Precisamos ser honestos conosco mesmos, para alcançarmos à linha de chegada vivos, felizes e em paz consigo e com todos.
Por fim, perdoar não é esquecer, mas sobretudo abençoar. Esquecer é uma demência. Perdoar é não sentir dor ao lembrar, pela graça de Deus. É integrar a fragilidade nossa e do outro. É buscar compreender as razões do coração de cada um, vivendo para além de nós mesmos. Deus fez assim na encarnação do seu Filho, o Natal de Jesus Cristo: para além de si mesmo e de sua condição divina, escolheu entender nossa condição humana, e nos amou assim, em nossa pobre condição. Se aprendemos a amar o ser humano em sua pobre e humilde condição, estaremos mais abertos ao perdão e à reconciliação. E à paz.
Nutridos pela força do amor que foi derramada em nossos corações, e abençoando, e fazendo o bem aos que nos maltratam (cf. Lc 6,27-35), deixemos que o divino curador deite o óleo da alegria sobre as feridas das mágoas e ressentimentos que não queremos levar para o novo ano que vai nascer.
Bom ano!
Padre Rodolfo Gasparini Morbiolo
Paróquia Santa Maria dos Anjos – Vitória Régia – Sorocaba/SP