O mundo, palco da história da salvação, permanece em constante transformação. De era em era, no contexto de desenvolvimento das civilizações, a humanidade e o meio ambiente sofrem intensas transformações. Por isso o falecido Papa Francisco munido de grande preocupação com o futuro da humanidade e da Igreja, fez ecoar dois grandes apelos: um em favor da Casa Comum da humanidade, outro em favor das relações humanas; sejam elas mais próximas, pelo convite à amizade social, sejam elas mais distantes, pelo chamado à fraternidade universal.
Acreditamos que este mundo não é mal, pois provém da ação do Espírito Criador, embora a maldade esteja presente no mundo, e possa por vezes guiar o coração dos homens e mulheres por caminhos de guerra, sofrimento e dor, tergiversando a ordem cósmica. Assim, nem todas as transformações são ruins: há intentos, fruto do gênio humano, guiados pela astúcia e sede de poder e acumulação, que se não ruírem, jamais se poderá entrever um mundo novo de convivência pacífica entre os povos e nações, mais gentil aos homens e mulheres de fé.
O desafio, como um dia ressaltou o Papa Bento XVI, tem a ver com o modo como o ser humano compreende a si mesmo e sua relação com o mundo, embora remeta também à ação da Igreja, pois tudo que interessa à humanidade, interessa à comunidade dos discípulos de Jesus colocada no mundo como luz entre os povos. De fato, a Igreja é perita em humanidade, como um dia ressaltou São Paulo VI, porque tem a experiência histórica de confrontar os desafios de cada tempo com o Evangelho de Jesus Cristo e a Revelação que Nosso Senhor fez do Pai e de Seu desígnio de amor e salvação. E esta Igreja, especialista em humanidade, tem a missão histórica de revelar o Homem ao próprio homem, desvelando o mistério divino escrito em sua existência, para ajudá-lo a subsistir às crises de transformação dos tempos.
Ainda no Policlínico Gemelli, aos 26 de fevereiro de 2025, o Papa Francisco falando aos membros da Pontifícia Academia para a Vida, refletia: “A Assembleia deste ano propôs a vocês enfrentar a pergunta que agora é chamada de ‘policrise’. […] O termo ‘policrise’ evoca o drama da situação histórica que estamos experimentando, na qual guerras, mudanças climáticas, problemas energéticos, epidemias, fenômeno migratório e inovação tecnológica convergem. O entrelaçamento dessas questões críticas, que simultaneamente tocam diferentes dimensões da vida, nos leva a nos questionar sobre o destino do mundo e nossa compreensão dele”.
Papa Leão XIV, logo nos primeiros dias de exercício de ministério petrino discursando à Fundação “Centesimus Annus pro Pontifice”, aos 17 de maio de 2025, recorda e enfatiza: “O Papa Francisco utilizou o termo “policrise” para evocar o drama da situação histórica que vivemos […]. Sobre questões de tamanha importância, a Doutrina Social da Igreja é chamada a fornecer chaves interpretativas que coloquem ciência e consciência em diálogo, dando assim uma contribuição fundamental ao conhecimento, à esperança e à paz. De fato, a Doutrina Social nos ensina a reconhecer que mais importante do que os problemas, ou as respostas para eles, é a maneira como os enfrentamos, com critérios de avaliação e princípios éticos e com abertura à graça de Deus”.
O Papa Francisco, e agora o Papa Leão XIV, ambos, são homens de realidade e de esperança, que defendem a necessidade de uma verdadeira transformação da perspectiva do sujeito como fundamento de uma nova via para a humanidade. Defendem uma verdadeira dialogia do encontro, na qual os valores cristãos possam iluminar e despertar as consciências para a superação de conflitos, e o derradeiro aprendizado dessas experiências traumáticas. Na senda do Vaticano II, do magistério de Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI, compreendem que é missão da Igreja não fugir à responsabilidade de interagir com a ciência e as humanidades, em vista de fomentar reflexões cada vez mais coerentes com a dignidade humana, e capazes de resultar em estruturas novas onde o amor social se manifeste como amor político, e novas pontes sejam edificadas em favor da unidade e da comunhão de todos.
Padre Rodolfo Gasparini Morbiolo (junho de 2025)
Referências:
FRANCISCO, Pp. Messaggio del Santo Padre Francesco ai partecipanti all’Assemblea Generale della Pontificia Accademia per la Vita (03, mar., 2025). Disponível em: https://press.vatican.va/content/salastampa/it/bollettino/pubblico/2025/03/03/0161/00337.html. Acesso em: 09, jun., 2025.
LEÃO XIV, Pp. Discurso do Papa Leão XIV aos membros da fundação “Centesimus Annus pro Pontifice” (17, mai., 2025). Disponível em: https://www.vatican.va/content/leo-xiv/pt/speeches/2025/may/documents/20250517-centesimus-annus-pro-pontifice.html. Acesso em: 09, jun., 2025.
PAULO VI, Pp. Encíclica “Populorum Progressio” sobre o desenvolvimento dos povos (26, mar., 1967). Disponível em: https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html. Acesso em: 09, jun., 2025.
RATZINGER, Joseph. O futuro do mundo pela esperança dos homens. In: RATZINGER, J. Fé e futuro. Estoril/PT: Princípia, p. 81-92, 2008.