Deus veio ao nosso encontro como Amor que se oferece, se propõe e não toma, respeita e não violenta. Como diz a carta a Tito (3,4): “Manifestou-se a bondade de Deus, nosso Salvador, e o amor pela humanidade”. No Natal assistimos à manifestação da bondade e do amor humanitário do Salvador. Ele apareceu como criancinha. Seu choro não afugenta ninguém. Sua mãe enfaixou seu corpo e o reclinou na manjedoura. Ele não vem armado para punir. Está aí, pequenino, para morar entre nós e nos libertar. Devemos celebrar a chegada de Deus.
Natal revela o projeto que Deus propôs a Si mesmo: não quis permanecer unicamente Deus, mas desejou fazer-se criatura. Não se contentou em comunicar somente seu Bem, sua Verdade e sua Beleza. Quis dar-se a si mesmo: Deus dá Deus a nós! Para se dar, quis alguém criado a sua imagem e semelhança para ser capaz de receber Deus. E dentre os seres humanos, o hebreu Jesus de Nazaré é a presença absoluta de Deus; é o Emanuel.
Deus não ficou no seu mistério insondável. Sem deixar de ser Mistério Absoluto, saiu de sua luz inacessível e veio para as trevas humanas. Não permaneceu na sua onipotência eterna; penetrou fundo na fragilidade da criatura. Não atraiu para dentro de Si a humanidade; Ele se deixou atrair para dentro da humanidade.
Certo dia, na plenitude dos tempos, Deus se aproximou de uma virgem toda pura, prometida a um homem justo da descendência de Davi. Bateu mansamente à porta, pediu para morar e viver na casa dos homens. E Maria disse sim. Porque havia lugar para Ele em sua vida, o Verbo se fez carne no seio da Virgem. E a vida divina começou a crescer neste mundo. E completou-se o tempo. No silêncio da gruta, porque “veio para o que era seu, mas os seus não o receberam” (Jo 1,11), Deus nasceu. Aquele que ninguém jamais viu, que o universo não pode conter, manifestou-se na carne humana. Permanecendo o Deus que sempre foi, assumiu o homem que nem sempre fora. É o mistério da noite luminosa do natal!
Estamos tão acostumados de ouvir “o Verbo se fez Carne” (Jo 1,14) que nem chegamos a refletir bem o que isto significa. Ele quis ser realmente um de nós, exceto no pecado. Quis ser um homem limitado que cresce, aprende e pergunta (cf. Lc 2,41-52). O Verbo não assumiu uma humanidade abstrata; assumiu, desde o início, o ser histórico de Jesus de Nazaré (Mt 2,23), um judeu de raça e de religião (Lc 4,16), que se formou na estreiteza de uma pátria insignificante, amadureceu na pequenez de um povo do interior (Lc 4,16). Jesus conheceu a fome (Mc 11,12), a sede (Jo 4,5-29), a saudade (Jo 16,22), as lágrimas pela morte do amigo (Jo 11,35), a alegria da amizade (Lc 7,34; Jo 15,14-15), a tristeza (Mc 14,34), as tentações (Mt 4,1-11), o pavor da morte (Lc 22,44). Tudo isso Deus assumiu em Jesus Cristo. Assumiu tudo o que é autenticamente humano. Tudo isso está presente na figura do menino no presépio.
O natal serve para enfrentar alguns mistérios profundos de nossa existência. Os homens se perguntavam: por que a dor? O sofrimento? A humilhação? A pequenez sofrida e sentida? Os homens perguntavam a Deus, e Deus silenciava. Alguns até procuraram argumentar para isentar Deus de ser o culpado pelo sofrimento humano, mas nenhuma resposta era satisfatória.
Agora no natal, Deus fala, e o homem silencia. O homem ouve a narração do nascimento de Jesus. Deus não respondeu ao porquê do sofrimento; Ele sofre junto. Não deu a razão da dor; se fez homem das dores. Não revela o motivo da humilhação; Ele se humilha. Já não estamos mais sozinhos na nossa imensa solidão; Ele é o Emanuel. Não somos mais solitários; somos solidários. No natal emudece a argumentação da razão; fala a narração do coração. Narra-se a história de Deus que se fez criança, que não responde, mas vive a resposta.
A nossa noite se iluminou. O menino de Belém nos revela: tudo possui um sentido tão profundo que o próprio Deus quis assumi-lo. Vale a pena ser e viver. Não somos um rebanho condenado, nem uma massa anônima sem rumo. Deus não assiste impassível à tragédia humana. Entra, toma parte, participa e nos mostra que vale a pena viver a vida como a experimentamos: monótona, anônima, trabalhosa, fiel na luta de sermos cada dia melhores. Vale a pena viver esta vida como a vivemos: exigente na paciência, fortes em suportar as contradições e sábios para aprender delas.
Por Dom Julio Endi Akamine SAC
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