Maldição Hereditária

Tem se divulgado a crença da “maldição hereditária” que consiste na hipótese de que problemas espirituais e pecados podem ser passados de uma geração para outra por meio da transmissão hereditária. Dessa maneira algumas doenças, problemas ou eventos negativos da vida presente teriam suas causas em ações maléficas ou pecados cometidos pelos antepassados da árvore genealógica. Essa influência maléfica advinda dos antepassados é o que torna necessária práticas como a “cura entre as gerações”, “as orações de cura intergeracional”, etc. Nessas práticas de cura busca-se anular as forças destruidoras dos antepassados (maldições, energias negativas, eventos trágicos, crimes, feitiçaria, magia, necromancia, etc.) com a cruz de Cristo, o seu sangue ou as águas do batismo.

Será isso verdade?

Primeiramente é preciso alertar para o risco do sincretismo. Do ponto de vista doutrinal, a “maldição hereditária” parece selecionar elementos esparsos de diversas religiões e os combinar num composto informe, passando por cima das oposições e das contradições existentes entre doutrinas religiosas diferentes mediante a redução do conteúdo das mesmas. Do ponto de vista prático, a “Cura intergeracional” pode levar a distorções em relação ao oferecimento de missa pelos defuntos, do sacramento do batismo e dos sacramentais da benção e do exorcismo.

É preciso também alertar para o perigo de um reducionismo simplista da compreensão da causalidade psíquica e da transmissão de enfermidades físicas e psicológicas.

Por fim, a crença de que os pecados pessoais possam ser transmitidos aos descendentes é doutrinalmente errada. O único pecado que se transmite por nascimento é o pecado original que é distinto do pessoal.

A Palavra de Deus nos orienta. Nesse sentido, é oportuno reler Ez 18,21-28. Nessa perícope, o profeta Ezequiel relata a revolta de muitos contra Deus: “Vós dizeis: o caminho do Senhor não é reto!” Por que o povo se queixa de Deus? Para entender essa acusação é preciso conhecer o contexto em que ela se dá.

O povo está no exílio. Seu cotidiano amargo de exilados é o resultado de muitos séculos de prevaricações e pecados acumulados das gerações anteriores. Assim os exilados sofrem, segundo a teologia da época, o castigo dos pecados dos pais. Era muito conhecido entre os exilados o provérbio: “Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos ficaram embotados” (Ez 18,2). Os exilados, porém, se sentiam injustiçados pelo castigo divino que lhes tocava, pois, se de um lado, tinham consciência de que não eram inocentes, por outro, o castigo que estavam suportando era desproporcional à culpa pessoal.

O profeta Ezequiel se levanta em nome de Deus contra essa acusação: “Que provérbio é esse que andais repetindo na terra de Israel? Por minha vida, esse provérbio não repetireis mais”.

Estamos diante do conteúdo doutrinal mais importante do Livro do profeta Ezequiel que não nega o princípio de solidariedade, mas o completa: “Ouvi, casa de Israel: é o meu caminho que não é reto, ou são os vossos caminhos que não são retos? Acaso tenho prazer na morte do ímpio? Não desejo antes que se converta de seus caminhos e viva?

O princípio da responsabilidade pessoal é um chamado veemente à conversão: cada um  deve assumir suas responsabilidades diante de Deus e não ficar reclamando contra a justiça divina ou o pecado dos antepassados. Na realidade, ficar se queixando de Deus é uma atitude cômoda, pois nos dispensa da necessária conversão.

É verdade que os fatos do passado influenciam e condicionam qualquer decisão nossa do presente. É verdade também que todos nós podemos sofrer no presente com os influxos negativos de ações passadas. Mas o passado não é uma herança fatídica, não determina o presente nem aprisiona a pessoa humana. É possível superar os condicionamentos do passado com uma responsável conversão a Deus. Mais do que práticas de cura, para superar o peso negativo do passado, a confiança em Deus e a conversão pessoal são o que a Palavra de Deus apresenta como mais eficazes e necessárias.

Por Dom Julio Endi Akamine SAC

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