Jubileu 2025: Notas para a leitura da “Lumen Gentium”

Jubileu 2025: Notas para a leitura da “Lumen Gentium” (Luz dos Povos) do Vaticano II

Padre Rodolfo Gasparini Morbiolo (Março, 2025)

No Concílio Vaticano II (1962-1965), convocado e inaugurado por São João XXIII, e encerrado por São Paulo VI, os bispos se reuniram em comissões de trabalho, com diversos especialistas, e examinaram as questões da Igreja que clamavam uma linguagem nova de comunicação para o tempo presente da história da eclesialidade. As comissões examinaram instrumentos de trabalho e roteiros previamente preparados; discutiram, emendaram; em algum caso, precisaram refazer o material por inteiro (isso se aplica à Constituição Dogmática sobre a Igreja, chamada “Lumen Gentium“, “Luz dos Povos” – certamente aquela que constituía o núcleo mais profundo da mensagem do Concílio). Por fim, todo o trabalho gerou textos, isto é, a documentação conciliar: 4 constituições, sendo 3 dogmáticas e 1 pastoral, 3 declarações e 9 decretos; que estão sendo propostos para leitura e aprofundamento pelo Papa Francisco neste Ano Santo Jubilar de 2025.

Jesus é Luz. Luz da Luz no seio da Trindade. Luz dos povos no coração da história. E a Igreja, seu sacramento, também tem por vocação ser luz para o mundo. Luz que conduz à fé, com seu testemunho. Em uma imagem: a Igreja tem a vocação de ser o farol que guia os barcos dos povos no caminho para Deus, pelo encontro com Jesus Cristo; sua luz promana do único Espírito de Deus, que deseja habitar o coração humano como num templo, para edificar por Cristo, com Cristo e em Cristo, o único Reino de Deus. Desta maneira, a Igreja descobre seu mistério, sua identidade e sua vocação, no encontro com Jesus Cristo, misticamente compreendido seu esposo espiritual.

Sendo a encarnação do Filho de Deus em nossa Humanidade um mistério, por meio do qual a plenitude da Revelação se manifesta na história da humanidade, e a Igreja seu sinal eficaz, ela também herda, carrega e manifesta as notas mistéricas de Jesus Cristo, seu Senhor e Fundador. Por isto, insiste o Concílio na necessidade de comunicar a natureza da Igreja através de imagens analógicas, isto é, comparativas, que elucidam um aspecto de relevo do mistério de Cristo presente na Igreja.

Desde os inícios do cristianismo se fez assim: compreendemos por analogias, comparativamente. E a Igreja já foi significada como “redil de Cristo”, “campo/construção de Deus”, “Jerusalém do alto e nossa Mãe”, “templo vivo do Espírito Santo”, “coluna e sustentáculo da verdade”, “noiva/esposa de Cristo”. No Concílio, recebe a devida ênfase a imagem de “Povo de Deus”, dialogicamente apresentada com outras imagens analógicas tradicionais: “corpo místico de Cristo”, “sociedade visível e espiritual”. De fato, usando a expressão do Papa Francisco, o colorido do mistério de Cristo na Igreja só se contempla no todo, como na figura geométrica do poliedro, onde as partes respeitadas na sua integridade estão contempladas, colaborando com seus matizes próprios à beleza do todo.

O texto da “Lumen Gentium” está dividido em 8 capítulos e trata dos seguintes temas: 1. O mistério da Igreja; 2. O povo de Deus; 3. A constituição hierárquica; 4. Os leigos; 5. A vocação de todos à santidade; 6. Os religiosos; 7. A consumação do mistério da Igreja no Céu; 8. A Virgem Maria no mistério da Igreja. Seu texto foi aprovado por 2.134 votos, dos 2.145 presentes na terceira e última sessão do Concílio.

Pertence a este documento conciliar as citações abaixo:

“O Senhor Jesus deu início à Sua Igreja pregando a boa nova do advento do Reino de Deus prometido desde há séculos nas Escrituras. […] Enquanto vai crescendo, [a Igreja] suspira pela consumação do Reino e espera e deseja juntar-se ao seu Rei na glória” (LG, 5).

“[…] aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O servisse santamente” (LG, 9).

“O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se diferenciem essencialmente e não apenas em grau, ordenam-se mutuamente um ao outro; pois um e outro participam, a seu modo, do único sacerdócio de Cristo” (LG, 10).

“Ao novo Povo de Deus [a Igreja] todos os homens são chamados. Por isso, este Povo, permanecendo uno e único, deve estender-se a todo o mundo e por todos os séculos, para se cumprir o desígnio da vontade de Deus que, no princípio, criou uma só natureza humana e resolveu juntar em unidade todos os seus filhos que estavam dispersos” (LG, 13).

“[…] os sacerdotes em conjunto e sob a direção dos Bispos e do Sumo Pontífice, evitem todo o motivo de divisão, para que a humanidade toda seja conduzida à unidade da família de Deus” (LG, 28).

“É própria e peculiar dos leigos a característica secular. […] a eles compete especialmente, iluminar e ordenar de tal modo as realidades temporais, a que estão estreitamente ligados, que elas sejam sempre feitas segundo Cristo e progridam e glorifiquem o Criador e Redentor” (LG, 31).

“[…] pela caridade para com Deus e o próximo que se caracteriza o verdadeiro discípulo de Cristo” (LG, 42).

“Já chegou, pois, a nós, a plenitude dos tempos, a restauração do mundo foi já realizada irrevogavelmente e, de certo modo, encontra-se já antecipada neste mundo: com efeito, ainda aqui na terra, a Igreja está aureolada de verdadeira, embora imperfeita, santidade” (LG, 48).

“[…] a função maternal de Maria em relação aos homens de modo algum ofusca ou diminui esta única mediação de Cristo; manifesta antes a sua eficácia” (LG, 60).

“[…] a Mãe de Jesus, assim como, glorificada já em corpo e alma, é imagem e início da Igreja que se há-de consumar no século futuro, assim também, na terra, brilha como sinal de esperança segura e de consolação, para o Povo de Deus ainda peregrinante, até que chegue o dia do Senhor” (LG, 68).

Esperamos, o Papa Francisco e nós, que as notas elencadas acima sirvam de incentivo para a leitura atenta e inspiradora deste texto sagrado que carrega a doutrina-tema que motivou no coração do Papa São João XXIII a convocação do Concílio Vaticano II, isto é: comunicar a identidade da Igreja no mundo atual em linguagem capaz de iluminar com a Luz de Cristo todos os corações na humanidade.

 

Crédito foto: https://www.pbcm.org.br/imagens/120523-XccTpQ0Q2tcPT.jpeg

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