Jubileu 2025: Notas para a leitura da “Gaudium et Spes”

Jubileu 2025: Notas para a leitura da “Gaudium et Spes” (Alegrias e Esperanças) do Vaticano II

Promulgada em 7 de dezembro de 1965, e não menos importante que a “Lumen Gentium”, já anotada em artigo anterior, a Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo atual “Gaudium et Spes” (Alegrias e Esperanças) carrega em seu itinerário a meta de aprofundar e explicitar como a Igreja pode ser “sacramento universal de salvação” em vista de promover a aproximação da fé cristã ao mundo, e do mundo à fé, pelo caminho do diálogo, sem rejeitar à realidade contemporânea a dignidade da evangelização e da missão.

Votaram em favor de sua aprovação 2111 padres conciliares, sendo contrários nessa data cerca de 251; no dia seguinte à aprovação, quando foi promulgada, os padres contrários se reduziram a apenas 71. Nas discussões que geraram o texto da Constituição atuaram dois grandes expoentes teológicos, Karl Rahner e Joseph Ratzinger, entre outros. Ela é dirigida a todos os seres humanos, compreendidos no termo “homens”, para iluminar com a luz da fé a realidade humana e sua configuração social, anunciando-lhes a salvação em Jesus Cristo. Tratará, ainda, da relação entre a Igreja e a vocação do ser humano (Primeira Parte) e de alguns problemas urgentes da atualidade, entre eles: o matrimônio, a família, a cultura, a economia, a vida em sociedade, a política e a paz (Segunda Parte).

Antes, porém, a introdução do documento conciliar se propõe delinear como se encontra a condição humana no mundo atual. São notáveis as esperanças e os temores que incidem sobre a noção de progresso, a evolução e o domínio da técnica e da ciência, as mudanças na ordem social, as transformações psicológicas, morais e religiosas, os desequilíbrios pessoais, familiares e sociais. Para além dos desafios, reconhecem-se as aspirações mais universais do ser humano por uma vida digna, plena e livre, em favor da comunidade humana como um todo, inclusa sob o termo “mundo”. Jesus Cristo é enfim apresentado como resposta e solução de toda a problemática humana, pois capacita com a luz e a força do seu Espírito para se chegar à salvação.

Três temáticas perpassam o texto como um todo:

1. Na relação da Igreja com o mundo, se observa uma nova metodologia que se propõe a analisar a realidade histórica contemporânea pela mediação filosófica e científica, com ênfase nas ciências humanas (a psicologia, a antropologia, a história). Não é um “ver” o mundo para condenar, mas para compreender.

2. Há uma centralidade cristológica-trinitária, muito bem articulada com a antropologia, que enfatiza um conceito integral de ser humano: originado em Deus, parceiro de Deus na obra da criação, imbuído de caráter social, de responsabilidade, de liberdade e de transcendência. Afirma-se a unidade de corpo e alma, e a sacralidade da consciência, lugar da relação com Deus em cada pessoa humana. É este ser humano edificado e informado pela Palavra de Deus, pregada na Igreja, que carrega as possibilidades de emitir juízo sobre o bem a realizar e o mal a recusar, na vida pessoal, comunitária e social.

3. Como sucede com o ser humano, a Igreja é mostrada em relação com Cristo: ela é divina, pois tem origem em Deus e humana na medida em que se organiza socialmente e peregrina neste mundo. Esta Igreja se situa num mundo marcado pela secularização, que também lhe atinge e informa; um mundo em que a religião e o sentido do sagrado estão descentralizados. Tal realidade exige a dinâmica de um diálogo esforçado para salvar o ser humano e edificar a sociedade, em meio às pluralidades hoje manifestas.

Pertence a este documento conciliar as citações abaixo:

As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração (GS, 1).

A Igreja, por sua parte, acredita que Jesus Cristo, morto e ressuscitado por todos, oferece aos homens pelo seu Espírito a luz e a força para poderem corresponder à sua altíssima vocação; nem foi dado aos homens sob o céu outro nome, no qual devam ser salvos. Acredita também que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontram no seu Senhor e mestre (GS, 10).

Deus, que por todos cuida com solicitude paternal, quis que os homens formassem uma só família, e se tratassem uns aos outros como irmãos. Criados todos à imagem e semelhança daquele Deus […], todos são chamados a um só e mesmo fim, que é o próprio Deus (GS, 24).

A Igreja declara querer ajudar e promover todas essas instituições, na medida em que isso dela dependa e seja compatível com a sua própria missão (GS, 42).

O matrimônio não foi instituído só em ordem à procriação da prole. A própria natureza da aliança indissolúvel entre as pessoas e o bem da prole exigem que o mútuo amor dos esposos se exprima convenientemente, aumente e chegue à maturidade. E por isso, mesmo que faltem os filhos, tantas vezes ardentemente desejados, o matrimónio conserva o seu valor e indissolubilidade, como comunidade e comunhão de toda a vida (GS, 50).

O Evangelho de Cristo renova continuamente a vida e cultura do homem decaído, e combate e elimina os erros e males nascidos da permanente sedução e ameaça do pecado. Purifica sem cessar e eleva os costumes dos povos. Fecunda como que por dentro, com os tesouros do alto, as qualidades de espírito e os dotes de todos os povos e tempos; fortifica-os, aperfeiçoa-os e restaura-os em Cristo (GS, 58).

Por nossa parte, o desejo de um tal diálogo, guiado apenas pelo amor pela verdade e com a necessária prudência, não exclui ninguém; nem aqueles que cultivam os altos valores do espírito humano, sem ainda conhecerem o seu autor; nem aqueles que se opõem à Igreja, e de várias maneiras a perseguem (GS, 92).

A proposta pastoral do Concílio, na Constituição sobre a Igreja no mundo atual, poderia ser resumida na seguinte frase com a qual se conclui o texto do documento: “os cristãos nada podem desejar mais ardentemente do que servir sempre com maior generosidade e eficácia os homens do mundo de hoje” (GS, 93). Aquele desejo enunciado por São João XXIII na abertura do Vaticano II, atinge aqui, sua expressão mais eficaz: uma Igreja servidora, humilde, e sintonizada com as necessidades humanas fundamentais, por meio das quais se pode chegar, mesmo que às apalpadelas, ao coração da humanidade, para lhe apresentar Jesus Cristo e seu Evangelho de Salvação.

Por Pe. Rodolfo Gasparini Morbiolo (Abril, 2025)

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