Feridas à Unidade da Igreja

O cristianismo antigo concebia a separação da Igreja e a ruptura da unidade mais em senso espiritual do que em senso intelectual e social. A unidade da Igreja era pensada principalmente na ordem da santidade, por isso o cismático era o que quebrava a santidade da comunhão eclesial e que faltava com a pureza da fé da Igreja. Nessa visão, as condições da ortodoxia e da comunhão eclesiásticas estavam mais fundidas do que hoje. A infalibilidade doutrinal era concebida ao interno da santidade da Igreja como uma propriedade e um efeito dessa mesma santidade. O cismático era aquele que, faltando com a santidade da comunhão, faltava também com a pureza da fé. O herético caiu em matéria doutrinal porque antes tinha rompido com a comunhão eclesial.

A fé é uma vida que se transmite na Igreja. A Igreja, na sua realidade concreta e visível, é o lugar único e indivisível da salvação. A catástrofe, portanto, consiste em deixá-la e perder a comunhão com ela.

Somente a partir da Cristandade, a heresia começou a ser distinguida do cisma. Otato de Mileve afirmou que entre cismáticos e heréticos há uma grande diferença. Os heréticos, tendo adulterado a verdadeira fé, estão totalmente fora da Igreja e não provêm dela, por isso os seus sacramentos são nulos. Os cismáticos, provenientes verdadeiramente da Mãe Igreja, se distanciam dela rompendo a paz e a comunhão, mas levando consigo a fé e os sacramentos da Igreja, recebidos e tirados dela. Agostino propôs uma distinção nítida: “A heresia é uma seita de indivíduos que professam doutrinas diferentes, o cisma, pelo contrário, é uma divisão entre indivíduos que professam a mesma doutrina” (Contra Crescon. 2,3,4: PL 43,469).

A unidade é dom do Espírito Santo à Igreja. Se isso é verdade como podemos entender as diversas separações da Igreja ocorridas ao longo da sua história?

É preciso ter claro que todo dom oferto por Deus exige e pressupõe que o mesmo dom seja aceito pelo ser humano. Assim o dom da unidade implica e suscita a responsabilidade e a liberdade humana. Enquanto dom que exige a acolhida, a unidade pode sofrer agravo. Ela não pode ser destruída pelo pecado, uma vez que a graça é sempre vitoriosa, mas pode ser obscurecida pelas divisões e erros.

A unidade é dom confiado à liberdade, por isso pode ser maculado por rupturas. Quando se considera a unidade sob o aspecto da resposta humana, toma-se consciência de quanto esse dom é frágil e como está sujeito a ataques. O próprio Jesus já havia alertado os discípulos sobre os falsos profetas, os maus pastores, as provas e as tribulações. Os apóstolos experimentaram a verdade dessa advertência. Nos seus escritos vemo-los em luta contra os semeadores de discórdia.

O documento sobre o ecumenismo do Vaticano II reconhece a possibilidade e a realidade das cisões: “Nesta una e única Igreja de Deus, já desde os primórdios, surgiram algumas cisões, que o Apóstolo censura como gravemente condenáveis. Dissensões mais amplas, porém, nasceram nos séculos posteriores. Comunidades não pequenas separaram-se da plena comunhão da Igreja católica. Algumas vezes não sem culpa dos homens de ambas as partes” (UR 3).

Na Igreja sempre houve divergências, tensões e possibilidades de cisma. Uma coisa, porém, é constatar isso, outra é pensar que a unidade universal nunca tenha existido ou que seja um mito. O catolicismo, apesar de todos os cismas, realiza, naquilo que é possível realizar aqui na terra, uma verdadeira unidade universal, ao mesmo tempo visível e espiritual.

Por Dom Julio Endi Akamine SAC

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