A nova imagem da Igreja do Papa Francisco

Padre Rodolfo Gasparini Morbiolo (Abril, 2025)

Em dezembro de 2014, logo após sua eleição ao papado, Francisco exortou os cardeais da cúria romana a cuidar de algumas “doenças” morais e espirituais que poderiam enfraquecer a comunhão, a santidade e a sabedoria do exercício de sua missão. Os apontamentos do Papa não perderam sua vitalidade e continuam apontando na direção de uma contínua autoavaliação pessoal e comunitária, não apenas em vista do acesso ao sacramento da penitência, mas principalmente para que o testemunho da fé cristã possa brilhar no mundo de hoje, mais que os excessos humanos, marcantes da dimensão terrena e peregrina da Igreja.

Em tempos de Jubileu da Esperança, o fortalecimento no Espírito do coração fatigado por inúmeras penas, mostra-se indispensável para a credibilidade da proclamação do Evangelho por meio da comunidade cristã. Isto posto, sem verdadeira prática de fé e conversão contínua, pela escuta do outro, que faz evidenciar as falhas éticas e morais do comportamento cristão, jamais seria possível colocar em prática a sinodalidade tão desejada em nossos tempos – caminhar juntos com Cristo, por Cristo e em Cristo, para a todos apresentar o Salvador que dá sentido e horizonte à vida.

Abaixo são recuperadas as “doenças” que precisam ser evitadas por todos os cristãos, nas palavras do próprio Papa:

  1. A doença de sentir-se “imortal”, “imune” ou mesmo “indispensável”. De fato, quem não se autoavalia, nem procura melhorar, mostra-se enfermo. O antídoto para esta epidemia é a graça de nos sentirmos pecadores e dizer com todo o coração: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17, 10).
  1. A doença do “martismo” (que vem de Marta), da atividade excessiva, ou seja, daqueles que mergulham no trabalho, negligenciando inevitavelmente “a melhor parte”: sentar-se aos pés de Jesus (Lc 10, 38-42).  O tempo do repouso, para quem levou a cabo a sua missão, é necessário, obrigatório e deve ser vivido seriamente: passar algum tempo com os familiares e respeitar as férias como momentos de recarga espiritual e física.
  1. Há também a doença do “empedernimento” mental e espiritual, ou seja, daqueles que possuem um coração de pedra (At 7, 51); daqueles que, à medida que vão caminhando, perdem a serenidade interior, a vivacidade e a ousadia e escondem-se sob os papéis, tornando-se “máquinas de práticas” e não “homens ou mulheres de Deus”. Ser cristão significa “ter os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus” (Fl 2, 5), sentimentos de humildade e doação, desprendimento e generosidade.
  1. A doença da planificação excessiva e do funcionalismo. É necessário preparar tudo bem, mas sem nunca cair na tentação de querer conter e pilotar a liberdade do Espírito Santo, que sempre permanece maior e mais generosa do que toda a planificação humana (Jo 3, 8). 
  1. A doença da má coordenação.É o que acontece quando os membros perdem a sincronização entre eles, e o corpo perde o seu harmonioso funcionamento e a sua temperança, tornando-se uma orquestra que produz ruído, porque os seus membros não colaboram e não vivem o espírito de comunhão e de equipe. 
  1. Há também a doença do “alzheimer espiritual”, ou seja, o esquecimento da “história da salvação”, da história pessoal com o Senhor, do “primitivo amor” (Ap 2, 4). Vemo-lo naqueles que perderam a memória do seu encontro com o Senhor; naqueles que dependem completamente do seu presente, das suas paixões, caprichos e manias; naqueles que constroem em torno de si muros e costumes, tornando-se cada vez mais escravos dos ídolos que esculpiram com as suas próprias mãos.
  1. A doença da rivalidade e da vanglória. É a doença que nos leva a ser homens e mulheres falsos e a viver um falso “misticismo” e um falso “quietismo”. O próprio São Paulo define-os “inimigos da cruz de Cristo”, porque “gloriam-se da sua vergonha, esses que estão presos às coisas da terra” (Fl 3, 18.19).
  1. A doença da esquizofrenia existencial. É a doença daqueles que vivem uma vida dupla, fruto da hipocrisia típica do medíocre e do progressivo vazio espiritual que nem doutoramentos nem títulos acadêmicos podem preencher. Uma doença que acomete frequentemente aqueles que, abandonando o serviço pastoral, se limitam às questões burocráticas, perdendo assim o contato com a realidade, com as pessoas concretas. 
  1. A doença das bisbilhotices, das murmurações e das críticas. Trata-se de uma doença grave, que começa de forma simples, talvez por duas bisbilhotices apenas, e acaba por se apoderar da pessoa fazendo dela uma “semeadora de cizânia” (como satanás) e, em muitos casos, “homicida a sangue frio” da fama dos próprios colegas.
  1. A doença de divinizar os líderes: é a doença daqueles que fazem a corte aos superiores, na esperança de obter a sua benevolência. São vítimas do carreirismo e do oportunismo, honram as pessoas e não Deus (Mt 23, 8-12). São os famosos “puxa-sacos”.
  1. A doença da indiferença para com os outros. Quando cada um só pensa em si mesmo e perde a sinceridade e o calor das relações humanas. 
  1. A doença da cara fúnebre, ou seja, das pessoas rudes e amargas que consideram que, para se ser sério, é preciso pintar o rosto de melancolia, de severidade e tratar os outros – sobretudo aqueles considerados inferiores – com rigidez, dureza e arrogância. 
  1. A doença do acumular, ou seja, quando o apóstolo procura preencher um vazio existencial no seu coração acumulando bens materiais, não por necessidade, mas apenas para se sentir seguro. 
  1. A doença dos círculos fechados,onde a pertença ao grupo se torna mais forte que a pertença ao Corpo de Cristo, que é a Igreja total e, nalgumas situações, ao próprio Cristo. Também esta doença começa sempre com boas intenções, mas, com o passar do tempo, escraviza os membros tornando-se um cancro que ameaça a harmonia do Corpo e causa um mal imenso – escândalos – especialmente aos nossos irmãos mais pequeninos.
  1. E a última: a doença do lucro mundano, dos exibicionismos, quando o apóstolo transforma o seu serviço em poder, e o seu poder em mercadoria para obter lucros mundanos ou mais poder. É a doença das pessoas que procuram insaciavelmente multiplicar o seu poder e, para isso, são capazes de caluniar, difamar e desacreditar os outros, inclusive nos jornais e revistas; naturalmente para se exibir e demonstrar-se mais capazes do que os outros. 

Com certa sabedoria de vida compreendemos que só permanece, quem muda e se converte. Se muda e permanece, vive. Se resiste, se revolta, e não muda, ele morre. A atualidade daquela pregação do Papa Francisco (2014) continua iluminando o caminho da Igreja: uma Igreja sempre em reforma; que volta do olhar perdido ao que é temporal, e fixa de novo o olhar em Cristo, vendo alí o rosto do Pai; que retorna da atenção oferecida em demasia às paixões da alma, e fixa os ouvidos na voz do Espírito que ressoa do Evangelho de Cristo; que reencontra sua identidade na verdadeira humanidade do Senhor Jesus e faz dela seu ideal e meta de existência, e que por causa de Cristo não afasta jamais o olhar do menor dos seres humanos, também irmão do Mestre, que grita por socorro e misericórdia, mesmo que considerado um inimigo.

A nova imagem de Igreja anunciada pelo Papa Francisco evoca a necessidade intrínseca de atualização contínua, como anunciado no coração do Concílio Vaticano II; por este caminho sempre se volta às fontes da fé, e nelas ao Evangelho, onde se permite podar os excessos e excrescências, para depois avançar com segurança no enfrentamento com amor dos desafios do presente e do futuro. Uma Igreja que reconhece as razões de sua esperança enraizadas em seu Fundador e Mestre, e não na astúcia histórica dos homens, nem na idolatria do poder. Uma Igreja-Família, e porto seguro para a humanidade, onde a paternidade e a maternidade de Deus se expressam por sua fidelidade que é eterna, e não pela rejeição ou pelo abandono. 

Para ler o Discurso completo do Papa (2014):

https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/december/documents/papa-francesco_20141222_curia-romana.html.

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