Meditação: A paixão da Virgem Maria na Paixão de Cristo

Meditação: A paixão da Virgem Maria na Paixão de Cristo

 

É inegável que a Virgem Mãe do Salvador tenha vivido sua vida em tudo unida à Revelação do Mistério de Jesus Cristo, seu filho. Abraçou as alegrias e as tristezas da maternidade. Fez Jesus inaugurar seu ministério em Caná da Galileia, mas também O contemplou morto na Cruz e em seus braços, sem nada poder fazer para mudar o desígnio divino.

É próprio do ser humano passar por transições de alma que chamamos paixões. Nelas, nas paixões da alma, vivemos tão apegados ao que é temporal e transitório, que esquecemos de nós mesmos vivendo fundidos à realidade apaixonada: pessoas, coisas, sonhos e desejos. Neste sentido, a paixão pode ter como meio o amor, mas também o ciúme, o sentimento de posse, a cobiça, a inveja, e também o ódio feroz e violento. A paixão humana pode edificar e pode destruir.

Quando dizemos que Nosso Senhor e a Virgem Maria estiveram unidos na mesma paixão pela humanidade, percebemos uma transformação neste movimento tão importante da alma humana. Embora, apaixonados pela humanidade, caminharam abnegados de si mesmo, e jamais se tornaram adversários do desígnio divino. Em Jesus e em Maria, o dom si se realiza na concretização do plano de amor do Pai, e não na desordem possessiva, que manipula e instrumentaliza o que é amado, própria da concupiscência.

Tanto é verdade que mesmo Jesus tendo se entregado à morte para a salvação da humanidade, cada ser humano é livre pode escolher passar à margem do seu sacrifício redentor, e jamais será obrigado à salvação – ninguém está obrigado a seguir Jesus. A Virgem Maria também não odeia os algozes do seu filho, nem os discípulos paralisados pelo medo, menos ainda odeia o traidor Pedro que se arrependeu. Sua paixão unida à paixão de Jesus não se reduz ao apego desordenado, próprio dos corações humanos marcados pela concupiscência, mas se abre para a consumação que só Deus pode manifestar, pois é doação suprema por amor. Em Jesus e em Maria realiza-se a medida da doação de Deus que é plena: tudo está em suas mãos e Ele nada reserva para si.

A memória das dores de Maria ressalta como Nossa Senhora foi preparada para a Cruz. Faz-nos lembrar a profecia de Simeão, quando disse que seu filho seria causa de queda e de erguimento para muitos e que por sua causa os segredos dos corações seriam revelados, mas este caminho reservaria sofrimentos ao seu coração materno.

Lembramos também o despojamento material, quando precisaram fugir para o Egito, com José, para salvar a vida do Menino Jesus, deixando para trás seu lar de nascimento e sua casa na Galileia. No Templo, em Jerusalém, o Menino se perde e é encontrado entre os doutores da Lei; isso tudo, em meio ao coração angustiado dos pais, José e Maria; e deixa claro que para fazer a vontade do Pai que está nos Céus, se tornaria um peso nas apenas aos braços, mas ao coração de seus pais terrenos.

No caminho do Calvário, agora sem a presença do companheiro fiel José, Maria, vê a profecia de Isaías e de Simeão se realizando diante de seus olhos: um filho desfigurado, sem beleza, homem de opróbrios e maldizeres, cuja imagem lhe transpassa o coração. A espada não é de aço ou metal; a espada é feita de carne humana e divindade: é seu próprio filho a imolar seu Sagrado Coração. E assim, ninguém toca em Maria, nem José, nem o Dragão ou seus aliados. No altar imaculado de sua natureza redimida, quem imola seu coração é próprio Deus.

A Cruz é terrível, mas carregar o filho morto nos braços sem nada poder fazer é tão pior quanto. Ao sepultá-lo resta o silêncio de quem deu tudo, como fez Deus quando criou todas as coisas do nada e do silêncio primordial. Ali a Virgem Maria encontra-se radicada no âmago da criação primordial, no silêncio divino, sob o influxo do Vento Criador, à espera da nova criação pela ressurreição do Filho de Deus que se fez homem no seu ventre.

O caminho de paixão de Maria é caminho de revelação de Deus. Em cada passo, Deus se dá mais à mulher, Mãe de seu Filho. Em cada etapa, que chamamos “espada de dor” Deus consuma mais e mais sua união esponsal com a Virgem, filha de seu povo; união sem mistura ou confusão. Alí, e para sempre, Nossa Senhora se torna modelo de santidade, pois o santo está em Deus, transformado, divinizado, mas jamais confuso ou misturado. Deus continua sendo Deus, Maria continua sendo Maria. Maria se torna toda de Deus, e Deus se manifesta como o seu tudo, seu universo, onde ela brilha no fulgor de Sua luz divina. Agora são uma unidade. Assim como deseja Jesus que seus discípulos sejam uma unidade com Ele.

Para a Igreja Católica ainda não é o momento de afirmar dogmaticamente o mistério da corredenção. De fato, não é necessário proclamar o que é evidente por si mesmo. Se meditamos a paixão de Cristo, e nela, o mistério da união da Virgem Mãe ao seu filho, redentor universal, compreendemos que a corredenção se deduz da anunciação, pois se Deus a tornou Sua esposa, não o fez para instrumentalizar sua humanidade descartando-a, mas para glorificar a obra perfeita de suas mãos criadoras. Como Jesus, pelo caminho da paixão, Maria é glorificada.

As dores de Maria meditadas no caminho da Semana Santa falam à Igreja do caminho de dores, perdas, humilhações e desesperos, que a humanidade sofre ao encontro da redenção. Quantas mães também experimentam seus corações imolados pela espada das más escolhas de seus filhos e filhas; e apegadas à mágoa chegam a renegar aqueles que delas foram gerados. Isso se aplica, na ordem da família, também aos pais ou àqueles que ocupam estas funções fundamentais. O ser humano não foi preparado para a Cruz, por isso não é sábio rejeitá-La – a sabedoria está em contemplá-La, aprender com Ela, preparar-se para abraçá-La com mais amor.

Maria foi preparada para ter apenas Deus, o pastor de Israel, por guia e condutor. A humanidade abatida e cansada, contudo, pode contar com os filhos e filhas de Deus, com os verdadeiros cristãos, com os abnegados Cireneus, que evidenciam a presença de Deus no mundo, para ver a Salvação. Como Jesus e Maria, nós também, se perseverarmos até o fim, ajudando os irmãos e as irmãs que encontramos no caminho, a fazer da vida um dom, em meio às paixões que experimentamos, nós seremos glorificados.

 

Padre Rodolfo Gasparini Morbiolo (Abril, 2025)

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