Masculino e Feminino

O relato do Gênesis sobre a criação da mulher é bem conhecido (Gn 2,18-25). Menos conhecidos talvez sejam os conteúdos antropológicos que podem ser colhidos nessa passagem.

O sono profundo (3,21). Ao sono relacionamos quase espontaneamente o sonho: o homem sonha encontrar um “segundo eu”, “um outro eu distinto de mim”, “um tu” pessoal e igualmente marcado pela solidão original. O homem cai no sono com o “sonho” de encontrar um ser semelhante a si.

O sono em que Deus fez cair o primeiro homem, sublinha a exclusividade da ação divina na criação da mulher: nela o homem não teve nenhuma participação consciente. Adão parece ter assistido à formação dos animais do pó da terra (3,19), mas ao mistério da criação da mulher ele não é admitido. Como o homem é mistério, pois está marcado pela solidão original, assim a mulher é mistério que fascina e assombra o homem.

A costela de Adão (3,21-22). Deus serve-se da sua “costela” porque o homem e a mulher têm a mesma natureza. A mulher é feita “com a costela” que Deus tinha tirado do homem (uma tradução mais exata seria: tomou um lado dele). Esse é o modo arcaico de exprimir a homogeneidade de natureza do homem e da mulher.

Essa homogeneidade é tão evidente que o homem, despertando do sono, imediatamente a reconhece e exprime: Esta é realmente osso dos meus ossos e carne da minha carne. Chamar-se-á mulher, visto ter sido tirada do homem (3,23). Mesmo que a diferenciação sexual e corporal seja igualmente evidente, o homem não deixa de manifestar a sua alegria e exultação: agora sim encontrou alguém que, como ele, se autoconhece, se autopossui e se autodoa. As palavras são poucas e essenciais, mas cada uma tem grande peso. A mulher, feita com “o lado do homem” é imediatamente aceita como auxiliar semelhante a ele.

Osso dos meus ossos. Na antropologia bíblica, os “ossos” exprimem um elemento importantíssimo do corpo. Dado que para os hebreus não havia distinção clara entre “corpo” e “alma” (o corpo era considerado como manifestação exterior da personalidade), os “ossos” significavam simplesmente o ser humano (cf., por exemplo, Sl 139,15: não te estavam escondidos os meus ossos). Pode-se, portanto, entender “osso dos ossos”, em sentido relacional, como o “ser vindo do ser”; “carne proveniente da carne”. Assim o homem canta a mulher que, mesmo tendo características físicas diversas, possui a mesma dignidade de pessoa que ele possui.

Auxiliar que lhe corresponde (3,18). Esse termo sugere a ideia não tanto de “complementaridade”, mas muito mais de “correspondência” e de “reciprocidade”. A criação da mulher como auxiliar que corresponde ao homem não deve ser entendida como se a mulher tivesse que preencher as necessidades e carências do homem. Ainda que sejam criados um para o outro, esse “um para o outro” traz a marca da solidão original. Em outras palavras, homem e mulher são “pessoa”; não são coisa ou objeto. Além disso, o sono, que impede o homem ter acesso ao mistério da mulher, reafirma que o encontro entre eles é encontro com o mistério do ser pessoal: o outro nunca pode ser reduzido às minhas necessidades e exigências. O “outro de mim mesmo” sempre transcende o que conheço dele; não pode ser possuído nem controlado por mim, mas posso me doar a ele no amor.

Resgatar a masculinidade e a feminilidade significa reconhecer o mistério pessoal do homem e da mulher: o outro não existe em função de meus caprichos, não pode ser reduzido ao que conheço do outro, nem é minha propriedade. Exatamente essa impossibilidade é o que possibilita a doação recíproca no amor.

Por Dom Julio Endi Akamine SAC

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