João e a complicada arte de ver…

Os dois discípulos, Pedro e João, correram em direção ao túmulo. Os dois olham… os dois correm… mas as similaridades terminam por aqui! João corre mais depressa, não só porque é o mais jovem, mas também porque a esta altura amava mais perfeitamente o Senhor. Foi o único que não o abandonou aos pés da Cruz, recebendo, não sem justiça, o cognome de discípulo amado! É próprio de quem ama, correr ao encontro do amado, pois o amor não tolera a distância e a espera. Por isso João corre, corre porque ama mais!

Mas há mais um detalhe que não pode nos passar despercebido… Pedro olha, mas não ; João olha e , por isso texto diz: “Ele viu e acreditou”. Porque nem sempre olhar é o mesmo que ver! Por isso mesmo, ainda que de maneira intuitiva, nossa mãe diz: “Filho… olha pro cê vê”!

Dizia Rubem Alves: Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: “A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê”. Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: “Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”. Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem. “Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios“, escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa.

O olho humano, nada pode ver, se não for ajudado pela luz. Por isso o Salmista irá dizer: “Tua Palavra é lâmpada para meus pés; luz para o meu caminho”. E Jesus é a Palavra que se fez carne, por isso, o próprio João irá dizer: “Luz que vindo ao mundo ilumina todo homem (…) mas uma vez que suas obras eram más, os homens amaram mais a trevas que a luz”. O homem, sem Jesus, nada vê, pelo contrário, “vê homens como árvores que andam”; é o cego de Jericó.

Certa vez, disse um pregador: Imagine que você deseja ver um filme que há muito anseia por assistir… Contudo, tudo o que você consegue é uma cópia barata, em preto e branco, reproduzida num aparelho tosco, de origem duvidosa, de som confuso e ruidoso… Mesmo assim, você aprecia o filme, pois tanto te apraz aquela obra…

Imagine, porém, que o tempo passa, e você recebe de presente o mesmo filme, porém, em alta resolução; com som de máxima qualidade, reproduzido num aparelho de última geração, numa tela grande, bem nítida… o filme é o mesmo, você também, o enredo… mas ao mesmo tempo tudo é diferente, o que era belo, se revela mais belo ainda, a trilha sonora lhe emociona muito mais… é isso que acontece com a pessoa que encontra Jesus… o cenário, a vida, as pessoas… tudo parece continuar o mesmo, e no entanto, tudo é diferente, porque é Ele quem dá sentido a tudo, é Ele quem dá cor às nossas vidas, é Ele quem colore nossas existência! Tudo fica, como cantam os cursilhistas, “De colores”, porque é Ele a primavera em nosso outono ou num inverno rigoroso. Como diz o Salmista “tudo canta de alegria”! Era Ele a alegria de João e que lhe propiciava ver mais que todos. Quem tem Jesus, vê mais que o filósofo na ponta dos seus pés!

Pe. Wagner Ruivo

Arquidiocese de Sorocaba

 

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