A humanidade tem futuro na fé

A humanidade tem futuro na fé

Padre Rodolfo Gasparini Morbiolo

 

Enquanto muitos eruditos se perguntam se a fé tem futuro, ou como será a forma do cristianismo do futuro, nós proclamamos na liturgia da Igreja que a humanidade tem futuro na fé professada e vivenciada em Jesus Cristo, cujo mistério da encarnação se manifesta no Natal. E o Papa Francisco o ratifica em sua última carta encíclica sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus.

 

Não é de hoje que essa preocupação ressoa na teologia: o futuro da fé, seu formato eclesial, sua atuação missionária. De fato, ao longo da história da Igreja, a mesma fé foi compreendida e manifestada em modos de vida eclesial muito diferentes, conforme o tempo e as circunstâncias. Repete-se aqui a proposição já clássica que afirma que a Igreja é filha do seu tempo, manifestando essas nuances em sua visibilidade institucional, litúrgica-sacramental e missionária.

 

Tais questionamentos e transformações da fé são importantes tanto para a vida eclesial, radicada na nova imagem de Igreja elaborada no Concílio Vaticano II, como para a teologia cristã, que cumpre na Igreja a sublime tarefa de aprofundar o depositum fidei, como de um tesouro do qual se tiram “coisas novas e velhas” (cf. Mt 13,52), cumprindo a tarefa de braço auxiliar do magistério episcopal e colaboradores da verdade.

 

O Concílio ensejou uma Igreja-Mãe acolhedora de seus filhos e filhas para acolhê-los, e não para condenar-lhes (São João XXIII). Ensejou ainda uma Igreja samaritana inspirada no exemplo evangélico do Bom Samaritano, proativa no amor e na misericórdia (São Paulo VI). Uma Igreja aberta ao mundo atual, para além de suas próprias fronteiras (Gaudium et Spes) e em contínuo movimento missionário (Ad Gentes).

 

A teologia desde então tem se esforçado para compreender cada vez mais profundamente as manifestações de Deus no ser humano, em sua cultura e sociedade, procurado as “sementes do Verbo” alí lançadas por Deus, para evangelizar desde esse lugar teológico fundamental. Há, de fato, uma semente radical do Verbo, presente no coração de cada ser humano que vem a este mundo, pois um Deus que é amor (cf. 1Jo 4,8) imprime sua identidade em tudo que é criado, de modo especial no homem e na mulher, sua imagem e semelhança.

 

Quando o Papa Francisco convida a recomeçar pelo Coração de Jesus Cristo, seu coração humano e divino, o faz também nesta perspectiva fundamental: é sobre o amor humano que age a graça divina aperfeiçoando-o para o heroísmo que a fé cristã inspira, e que ao longo da vida da Igreja fez e faz numerosos santos, também os mártires. O coração é o lugar do amor. É o sacrário do amor, onde se escuta, numa consciência purificada e catequizada, a voz do Deus Bom Pastor que deseja educar na paz, seus filhos e filhas. Buscar a própria identidade, e encontrar o próprio coração, significa outrossim encontrar-se com Deus nele (Santa Teresa de Ávila), que por sua vez o transforma, reedifica e santifica, pela ação misteriosa e eficaz do Espírito Santo.

 

No futuro, a Igreja, o cristianismo e as formas de vivenciar a fé cristã, serão cada qual completamente diferentes do que experimentamos no presente. É um processo inevitável compreendido na história humana. É próprio do tempo mudar a forma das coisas. Contudo, o ser humano radicado em Cristo permanece na verdade do Seu amor e amizade integrais. O Natal professa essa fé: a fé no ser humano abraçado por Deus, em sua história neste mundo; um ser humano que tem esperança e futuro. Um dia a imagem provisória o mundo passará, sinal de sua caducidade, mas os que se encontram no Coração pequenino do Menino-Deus jamais passarão, antes serão carregados fortemente nos braços dAquele que agora sustentam em Sua fragilidade. E, assim, professamos: a humanidade tem futuro na fé em Jesus Cristo.

 

Para saber mais:

FRANCISCO, Pp. Carta Encíclica “Dilexit Nos” sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus (24, out., 2024). Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/20241024-enciclica-dilexit-nos.html. Acesso em: 06, dez., 2024.

DELUMEAU, J. À espera da aurora: um cristianismo para o amanhã. SP: Loyola, 2007.

LIBANIO, J. B. Qual o futuro do cristianismo? SP: Paulus, 2006.

RATZINGER, J. Fé e futuro. Estoril/PT: Princípia, 2008.

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