Desprezar o Corpo

O ser humano foi criado à imagem de Deus. A partir disso, podemos nos perguntar: foi criado à imagem de Deus somente enquanto alma? Ou o corpo é também criado à imagem de Deus? Deus é espírito e, portanto, não é um ser corpóreo, isso significa que o corpo não foi criado à imagem de Deus?

Responder a essas indagações nos ajuda a entender corretamente o que é o ser humano. Note também que o modo como respondermos a essas perguntas, pode nos levar a valorizar ou a desprezar a nossa realidade corporal.

Antes de tudo, é preciso reafirmar que o ser humano é uno em corpo e alma. Todo ele foi desejado por Deus, por isso todo ele foi criado à imagem de Deus. O livro do Gênesis mostra, com uma linguagem diferente da nossa, a condição corpórea do homem e contemporaneamente a sua participação na vida de Deus.

O termo “alma” tem muitos significados. Na Escritura, significa principalmente a vida e também a pessoa humana inteira. Pode, porém, significar o mais íntimo do homem, o seu princípio espiritual transcendente a este mundo. Nesse significado, o ser humano, pela sua alma, é “mais especificamente” imagem de Deus. A alma, portanto, é o princípio que dá especificidade de imagem de Deus ao ser humano. Isso, por outro lado, não significa excluir o corpo da condição de “imagem”. De qualquer maneira, é evidente que é mediante o seu princípio espiritual que o homem pode conhecer e entrar em comunhão de amor com Deus.

O ser humano é uma unidade corpóreo espiritual. Ele pode ser definido como corpo espiritualizado ou como espírito encarnado, e como tal foi criado à imagem de Deus. Na linguagem filosófica se diz que a alma é a “forma do corpo”. É preciso entender “forma” não como o aspecto exterior, mas no sentido de que a forma está sempre ligada ao corpo e lhe dá a identidade humana. O corpo é humano exatamente porque é animado por uma alma. Por sua vez, o ser “forma do corpo” é para a alma uma dimensão da sua própria natureza. Dessa forma, a alma sempre estará referida ao corpo, que, por sua vez, participa, junto com a alma, da dignidade da imagem divina.

A distinção entre alma e corpo não destrói a unidade profunda e substancial do ser humano que é uno exatamente enquanto alma e corpo. Não temos, portanto, primeiramente uma alma e só depois um corpo que se unam e constituam o ser humano. Não se trata de duas naturezas unidas, mas de uma só natureza corpóreo-espiritual. Deve ficar claro que, para a fé cristã, o ser humano, na necessária distinção das dimensões espiritual e corpórea, é substancialmente uno.

A distinção e unidade entre alma e corpo se manifesta sobretudo no destino final que nos espera. Segundo a fé cristã, esse destino é a ressurreição que inclui a totalidade do ser humano.

A fé no Deus criador significa a afirmação da bondade de tudo o que foi criado, inclusive do mundo material e, consequentemente, do corpo. Qualquer desprezo do corpo é, portanto, contrário ao desígnio do Criador e à fé cristã. Conceber o corpo como uma prisão da alma ou como um invólucro que pode ser trocado por outros, considerar que alguém nasça com o corpo errado, julgar que o corpo minta sobre a própria identidade sexual, mutilar o corpo e forçá-lo, através de intervenções artificiais, a assumir identidade contrária ao sexo biológico são algumas formas atuais de desprezo pelo corpo.

Por Dom Julio Endi Akamine SAC

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