Uma proibição de Jesus sempre me causou grande dificuldade de entendimento e viva impressão: “não deis aos cães as coisas santas, nem atireis vossas pérolas aos porcos; para que eles não as pisem com os pés e, voltando-se contra vós, vos despedacem” (Mt 7,6).
A dificuldade em interpretar a proibição provém ainda do fato de vir logo depois de Jesus nos ter feito outra proibição: a de julgar os outros. Além disso, Ele nos mandou aplicar sempre a medida da moderação, da compreensão e do perdão em relação aos outros. “Não julgueis e não sereis julgados, pois com a medida com que medirdes se medirá para vós” (7,1).
Para propor aos leitores uma interpretação que busque superar essa contradição, faço recurso a alguns textos do AT.
“Não fales aos ouvidos dos insensatos, porque vão desprezar o ensinamento da tua boca” (Pr 23,9). “Quem ensina o insensato, é como quem cola um vaso quebrado; quem diz alguma coisa a quem não ouve é como quem desperta o outro de pesado sono. Quem transmite a sabedoria a um insensato é como quem fala com alguém dormindo, e este, no fim, pergunta: ‘Quem é?’” (Sr 22,7-9).
Essas duas citações nos ajudam a constatar que a proibição de Jesus não inculca o esoterismo, mas a devida prudência no oferecimento dos tesouros cristãos. Quando não há prudência nesse oferecimento, as coisas santas são profanadas e os indignos não se beneficiam.
O que Jesus deseja nos ensinar com essa proibição é nos advertir contra um comportamento que infelizmente se verifica na realidade. Não se trata de julgar as pessoas, mas de identificar o comportamento que infelizmente pode ser o de algumas pessoas e, até mesmo, o nosso. Trata-se do comportamento de desprezar a Palavra de Deus, de não a valorizar como coisa santa, de desprezar a sua preciosidade como o porco despreza as pérolas. Com efeito, existem comportamentos concretos de autoconfiança e de fechamento absoluto perante a Palavra que desrespeitam o nome de Deus e o profanam. No campo religioso, o comportamento do fanatismo se exprime numa forma oposta, mas o seu resultado coincide. O fanático se julga destinatário de uma inspiração divina, mas defende ideias tão irracionais quanto absurdas que acabam, no fim das contas, não só desrespeitando os semelhantes como ofendendo o próprio Deus. Nesses casos, o silêncio nem sempre é sinônimo de covardia ou leniência com o erro, mas uma medida de prudência e discrição.
Muito me ajuda a interpretar o provérbio de Jesus a meditação de Sr 21,12-31. O insensato é aquele que não entende, não retém e, por isso, não aprende. O seu coração “é como vaso trincado: nada consegue reter da Sabedoria” enquanto que “uma pessoa instruída qualquer palavra sábia que ouvir, ela a aprovará e a tomará para si” (17). “Para o tolo, a instrução é como grilhões nos pés e como algemas nos punhos” (22), enquanto que para o sábio é “como ornamento de ouro, como bracelete no braço direito” (24). Por essa razão, “o néscio tem a mente nos lábios, e o sábio tem os lábios na mente” (26).
O mês de setembro é, para os católicos, o mês da Bíblia. O objetivo desse mês temático decorre da convicção de que “os fiéis devem poder ter amplo acesso à Sagrada Escritura” (DV 22). Isso foi o que motivou a reforma litúrgica promovida pelo Concílio Vaticano II que determinou que, “nas celebrações litúrgicas, sejam feitas leituras das Sagradas Escrituras com mais abundância, maior variedade e mais adaptadas às ocasiões” (SC 62).
Neste mês da Bíblia, é bom que nos perguntemos: reconheço sempre e conscientemente a sacralidade a Palavra de Deus? Ou sou como um porco que a profana e a desrespeita? Valorizo a Palavra de Deus como tesouro precioso para minha vida e meu ornamento de ouro? Ou ela é como “grilhões nos pés e algemas nos punhos”? Da minha boca sai a riqueza que está no coração ou dela só saem fardos de tolices e de palavras imprudentes (Sr 21,19.28)? Ao ouvir a Palavra, eu a aprovo e a tomo para mim ou sou como o devasso ao qual a Sabedoria “não agrada e ainda a joga para trás das costas” (Sr 21,18)?
Por Dom Julio Endi Akamine SAC
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