Silêncio e Oração

Não fazemos silêncio somente por motivos práticos e extrínsecos. Na relação com Deus, o silêncio ocupa um lugar central não somente como uma condição prática, mas principalmente porque o nosso silêncio é chamado a ser o silêncio de Cristo na sua relação com o Pai.

A missão de Jesus se cumpre no Mistério Pascal: aqui nos vemos colocados diante da “Palavra da cruz” (cf. 1Cor 1,18). O Verbo emudece, torna-se silêncio de morte, porque Se “disse” até calar, nada retendo do que nos devia comunicar (Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini, 12).

Nossa época não favorece o recolhimento. Pelo contrário, dá a impressão que as pessoas têm medo de fazer silêncio mesmo por alguns dias. Pôr-se à margem do rio de palavras e imagens dos meios de comunicação que marcam e enchem os nossos dias parece uma tarefa fadada ao fracasso. Por isso, é urgente nos reeducar para o valor do silêncio.

Redescobrir a centralidade da Palavra de Deus na vida da Igreja significa também redescobrir o sentido do recolhimento e da tranquilidade interior. A grande tradição patrística nos ensina que os mistérios de Cristo estão ligados ao silêncio e só nele é que a Palavra pode encontrar morada em nós, como aconteceu em Maria, mulher indivisivelmente da Palavra e do silêncio. As nossas liturgias devem facilitar esta escuta: Verbo crescente, verba deficiunt (quando o Verbo de Deus cresce, as palavras do homem diminuem) (VD 66).

Para ser escuta autêntica, respeitosa e amorosa a nossa oração pessoal e litúrgica devem ser ricas de momentos de silêncio e de acolhimento não verbal. O silêncio é capaz de cavar um espaço interior no nosso íntimo, para ali fazer habitar Deus e permitir que a sua Palavra permaneça em nós, a fim de que o amor por Ele se enraíze no nosso coração e anime nossa vida cristã. O silêncio é “o abismo que chama outro abismo”.

Há uma segunda relação importante do silêncio de Jesus com a nossa oração. De fato, não existe apenas o nosso silêncio como condição para nos dispormos e nos abrirmos para a escuta da Palavra de Deus; há também o silêncio de Deus. Muitas vezes deparamo-nos com o silêncio de Deus, experimentamos quase uma sensação de abandono. Parece que Deus não ouve e não responde, mas esse silêncio, como aconteceu também com Jesus, não indica a sua ausência. “Experimentamos Deus mais na sua ausência do que na sua presença”.

Deus não é somente a Palavra inteligível que vem ao nosso encontro, Ele é também aquele fundo sigiloso e inacessível e incompreensível que foge à nossa percepção. Certamente, no Cristianismo prevalece um primado do Logos, da palavra sobre o silêncio: Deus falou; Deus é Palavra. Nem por isso, porém, devemos esquecer o mistério do ocultamento de Deus.

O silêncio de Deus prolonga as suas palavras anteriores. Nesses momentos obscuros, Ele fala no mistério do seu silêncio. Portanto na dinâmica da revelação cristã, o silêncio aparece como uma expressão importante da Palavra de Deus (VD 21).

O cristão sabe que o Senhor está sempre presente e o escuta, mesmo na escuridão da dor, da solidão e da rejeição. O drama do silêncio de Deus não deve nos amedrontar. Jesus garante aos discípulos e a cada um de nós que Deus conhece bem as nossas necessidades, em qualquer momento da nossa vida. “Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que multiplicam as palavras porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. Não façais como eles, porque vosso Pai celeste sabe de que tendes necessidade, antes que vós o peçais” (Mt 6,7-8).

 

Por Dom Julio Endi Akamine SAC

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