São José, Pai na obediência

Homilia de Padre Wagner Lopes Ruivo, 24.08.2021, Semana de S. José – Arquidiocese de Sorocaba

Quando lemos o primeiro livro da Bíblia (Gênesis), mais precisamente no relato da criação, podemos observar uma expressão muito bonita nos lábios de Deus que aparece repetidas vezes: “Faça-se”. No hebraico (iehi), no latim “fiat”! Para tudo quanto Deus quis que existisse Ele, simplesmente pela força de Sua Palavra, chamou à existência! “Fiat cellum et terram” (faça-se o Céu e a Terra) e tudo o mais quanto existe!

Ora, esta mesma expressão aparecerá novamente no Novo Testamento, no Evangelho de S. Lucas, mas desta vez nos lábios de Maria Santíssima! Quando o Arcanjo S. Gabriel, porta-voz de Deus, vem trazer a notícia de que Deus desejava salvar o mundo todo através de Maria Santíssima que geraria seu único Filho de modo virginal, a Virgem após ouvir o convite diz: “Fiat” (Fiat mihi secundum verbum tuum. Faça-se em Mim segundo a tua Palavra). Uma clara alusão à primeira criação degradada pelo pecado, e o início de uma nova criação, uma recapitulação de todas as coisas através do “fiat” do novo Adão e da nova Eva.

Ora, assim como pela desobediência de nossos primeiros pais a morte entrou no mundo, é pela obediência, do Senhor Jesus e da Virgem Maria, que a salvação se torna possível! Contudo, o papa Francisco na Patris Corde, ressalta que há um outro “fiat” (faça-se) também muito importante, mas por vezes esquecido, que é o “fiat” de S. José! E o papa resume essa docilidade de José, esse seu “sim” incondicional a Deus de forma muito bonita. Relembremos os “fiats” de José na Sagrada Escritura…

  1. José sente uma angústia imensa com a gravidez incompreensível de Maria: mas não quer «difamá-la», e decide «deixá-la secretamente» (Mt 1, 19). No primeiro sonho, o anjo ajuda-o a resolver o seu grave dilema: «Não temas receber Maria, tua esposa, pois o que Ela concebeu é obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados» (Mt 1, 20-21). A sua resposta foi imediata: «Despertando do sono, José fez como lhe ordenou o anjo» (Mt 1, 24). Com a obediência, superou o seu drama e salvou Maria. A obediência salva!
  2. No segundo sonho, o anjo dá esta ordem a José: «Levanta-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e fica lá até que eu te avise, pois Herodes procurará o menino para o matar» (Mt 2, 13). José não hesitou em obedecer, sem se questionar sobre as dificuldades que encontraria: «E ele levantou-se de noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito, permanecendo ali até à morte de Herodes» (Mt 2, 14-15). A obediência supera os obstáculos!
  3. No Egito, com confiança e paciência, José esperou do anjo o aviso prometido para voltar ao seu país. Logo que o mensageiro divino, num terceiro sonho – depois de o informar que tinham morrido aqueles que procuravam matar o menino –, lhe ordena que se levante, tome consigo o menino e sua mãe e regresse à terra de Israel (cf. Mt 2, 19-20), de novo obedece sem hesitar: «Levantando-se, ele tomou o menino e sua mãe e voltou para a terra de Israel» (Mt 2, 21). A obediência sofre as demoras de Deus!
  4. Durante a viagem de regresso, porém, «tendo ouvido dizer que Arquelau reinava na Judeia, em lugar de Herodes, seu pai, teve medo de ir para lá. Então advertido em sonhos – e é a quarta vez que acontece – retirou-se para a região da Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré» (Mt 2, 22-23). “Na nossa vida, muitas vezes sucedem coisas, cujo significado não entendemos. E a nossa primeira reação, frequentemente, é de desilusão e revolta. Diversamente, José deixa de lado os seus raciocínios para dar lugar ao que sucede e, por mais misterioso que possa aparecer a seus olhos”. A obediência nos torna resilientes perante as dificuldades!
  5. Por sua vez, o evangelista Lucas refere que José enfrentou a longa e incômoda viagem de Nazaré a Belém, devido à lei do imperador César Augusto relativa ao recenseamento, que impunha a cada um registrar-se na própria cidade de origem. E foi precisamente nesta circunstância que nasceu Jesus (cf. 2, 1-7), sendo inscrito no registro do Império, como todos os outros meninos. A obediência nos traz Jesus!

O papa conclui dizendo: “Em todas as circunstâncias da sua vida, José soube pronunciar o seu «fiat», como Maria na Anunciação e Jesus no Getsêmani.

A origem da palavra “obediência” está no latim: oboedientia, associada ao verbo obedecer, na raiz oboedescere. Ob + audire” nela está escondido o verbo “audire” que é “escutar”. Donde a ideia de saber escutar com respeito à mensagem recebida como comando ou ordem. Ou seja, não se obedece se não se escuta! Por isso mesmo, para o judeu o maior mandamento é “Shemá Israel” (escuta Israel). Nosso povo entendeu bem este conceito, mesmo sem muito estudo, quando vemos a mãe que se dirige de forma aflita ao filho desobediente e lhe diz: “filho, escuta teu pai”. Ora, não é que o filho não está escutando, e sim, que ele não está obedecendo!

A gente desaprendeu a “escutar”. Rubem Alves brincava dizendo que as pessoas hoje desejam muito falar, faz sucesso o curso de retórica, mas ele dizia que se abrissem um curso de “escutatória” não haveria muitas matrículas! A gente dificilmente ouve sem interromper! E com Deus, fazemos a mesma coisa! Nossas liturgias vão se tornando cada vez mais ruidosas, nelas quase não há o espaço para o silêncio. As pausas após o “Oremos” previstas no Missal, vão desaparecendo, assim como o silêncio após a homilia (também previsto no Missal), após a Comunhão, etc. Creio que S. José e Maria nos dizem hoje: “filhos, escutem vosso Pai”!

Por fim, para escutar, é preciso a virtude da humildade, reconhecer que não se sabe tudo, que precisamos de conselhos, de direção, que podemos aprender com o próximo e com Deus, em outras palavras, que não somos autossuficientes, mas precisamos de Deus e do irmão!

A obediência a Deus se reflete também na obediência às autoridades por Ele constituídas! O papa diz que Jesus aprendeu a obediência na escola de José. S. Lucas diz que o menino Jesus era obediente aos seus pais terrenos. Também os filhos devem obediência aos seus pais, a exemplo de Jesus, nós às autoridades da Igreja, àqueles que também são nossos pais: os padres, os bispos de maneira especial, ao Santo Padre, o papa!

Hoje vê-se tristemente filhos que se dizem tementes a Deus, mas não respeitam seus pais, católicos que desobedecem ao papa, os bispos e os párocos porque o orgulho lhes fechou o coração!

Santa Faustina no Diário, número 939, escreveu: “O demônio pode ocultar-se até sob o manto da humildade, mas não pode vestir o mando da OBEDIÊNCIA”. E santo Agostinho disse: “Foi o orgulho que transformou anjos em demônios, mas é a humildade que faz de homens anjos.”

Perguntemo-nos hoje, contemplando a imagem de S. José como anda nossa capacidade de escuta, escuta da Palavra de Deus, escuta do próximo sem interrompe-lo, como anda nossa obediência à vontade perfeita e soberana de Deus, aos seus representantes na Terra, o papa, os bispos e os padres. Enfim, como anda em nós a virtude da humildade sem a qual, de acordo com a Palavra é impossível agradar a Deus que “resiste aos soberbos, mas dá Sua graça aos humildes”?

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