Por que a Pandemia?

Sempre nos perguntamos sobre os motivos dos acontecimentos, ainda mais quando eles nos fazem sofrer. Buscamos as causas da pandemia e da crise econômica que se abate com mais força sobre os mais pobres. Procuramos saber de quem é a responsabilidade. Quais precauções não foram tomadas e a quem devemos culpar? Os porquês podem também chegar até Deus. Por que Ele permite todo esse sofrimento? Por que Ele não faz nada? Por que Ele demora? Por que não exerce a sua onipotência para vir em nosso socorro?

Mesmo que devamos buscar as causas, gostaria de propor aos leitores desta coluna uma outra pergunta. Sem esquecer o porquê, antes integrando-o, reflitamos sobre o para quê. Qual é a finalidade de tudo isso? A atual desolação da pandemia ensina algo para mim e para a Igreja?

Durante este tempo de distanciamento social, muitas pessoas têm partilhado comigo experiências que gostaria de sintetizar nesse para quê.

A primeira lição vem das igrejas vazias. Olhamos para as nossas igrejas vazias e uma sensação terrível nos apavora: parece um sinal premonitório de uma debandada geral. As pessoas deixaram de buscar Deus, e as igrejas mais parecem um túmulo do que uma casa! Deus não é mais necessário, e a Igreja deixou de ser algo essencial para as pessoas. Mesmo sabendo que muitos têm verdadeira sede e fome de Deus, o sinal das igrejas vazias nos aponta para a necessidade de uma conversão missionária. Se o vazio das igrejas for, de fato, ouvido como uma advertência para a nossa conversão, esse vazio poderá se transformar também em sinal da ressurreição: “eis que estarei convosco todos os dias até o fim”.

Lição importante é a graça de cuidar das pessoas. Uma fiel partilhou na rede social que, durante este tempo, tem feito “viagens maravilhosas”: todos os dias descobre algo diferente no marido e nos filhos, explora as riquezas insondáveis da Bíblia e da oração, percorre páginas de livros há tempos comprados e esquecidos na estante, redescobre a própria habitação ao fazer a faxina. E o que dizer de tantos gestos de delicadeza e de solidariedade cotidiana, pequenos e anônimos? Um grupo de pessoas arrecada cestas básicas. Outra pessoa, que tinha comprado uma centena de máscaras a caro preço, não hesitou em doá-las aos socorristas do SAMU que trabalhavam sem elas. Um seminário recebeu como novos hóspedes pessoas em situação de rua: dessa forma o seminário continua o seu trabalho de formação. Esses e muitos outros gestos de cuidado para com as pessoas, em tempos de pandemia ou não, demonstram que a maior riqueza deste país são os brasileiros. Devemos nos lembrar neste tempo de crise econômica que a maior riqueza de Sorocaba são os sorocabanos.

Outra lição de fé veio de um irmão que tem descoberto como devemos levar a sério a palavra de Jesus: “onde estão dois ou três reunidos no meu nome, aí estou Eu no meio deles”. Estando privado da missa com povo, ele me confidenciou que tem experimentado a presença de Cristo na Escritura e nos irmãos. Lembrei-me de doutrina tradicional da Igreja: Cristo está realmente presente na Eucaristia, mas essa presença não é dita real por exclusão mas por excelência. Cristo está realmente presente na comunidade reunida, quando se proclamam as Escrituras, e Ele se identifica realmente com os pobres. A presença de Cristo não é algo simbólico. O fato de estarmos vivendo sem assembleia litúrgica, sem a presença de povo nas igrejas, sem celebrações comunitárias é uma ocasião preciosa para estar em comunhão com Cristo através de outras formas. Ela não são formas alternativas. São formas de presença real de Cristo.

Outra lição de teologia recebi de um fiel que me confidenciou que tem compreendido mais profundamente o que é a “comunhão dos santos”. A comunhão não é algo privado, e se ela é dada a um só fiel isso não constitui um privilégio excludente. Dar e receber a comunhão não é um delivery de pizza: só se beneficia quem come. Não! A eucaristia recebida, mesmo que por um só, se reverte em benefício para todo o corpo eclesial feito corpo de Cristo pela mesma eucaristia.

Por fim, a lição mais importante se refere ao socorro de Deus. Deus não poupou Jesus das trevas da agonia e da solidão do abandono na cruz. A noite escura da ausência de Deus é o modo misterioso de sua presença. É exatamente no momento em que parece que Deus não se apressa em nos socorrer, Ele já está lá. Está presente sem que o tenhamos invocado. Nossos olhos não percebem a sua presença, da mesma forma como Maria Madalena não reconheceu Jesus junto ao sepulcro, como os discípulos de Emaús não viram que aquele peregrino que lhes explicava as Escritura era o Senhor, como os antigos pescadores convertidos em apóstolos não reconheceram no comprador de peixes o Ressuscitado. No nosso sofrimento, Ele está presente, antes mesmo que verbalizemos alguma prece. E se nós olharmos para além de nosso sofrimento? Nós o encontraremos realmente presente nos médicos, enfermeiros e agentes de saúde, nos enfermos, nos trabalhadores essenciais. Antes mesmo que pensemos em Deus, antes de qualquer oração nossa, Ele já se encontra presente.

Caro leitor, querida leitora, para que a Pandemia? Encontre você também as lições que ela pode dar!

Foto: Canção Nova

Compartilhe: