Pobreza e Empreendedorismo

Tornou-se muito disseminada a comparação entre países que tem uma formação moral luterana anglo-saxã e os que foram formados na moral católica. Segundo um raciocínio simplificado, os países de primeiro mundo devem o seu desenvolvimento econômico à formação protestante e os países pobres não se enriquecem por causa da sua formação católica.

Creio que um estudo, mais crítico e atento, é o suficiente para constatar que essa forma de explicar as razões culturais e religiosas do subdesenvolvimento e do superdesenvolvimento não se sustenta na realidade. Desejo, porém, me aproveitar dessa discussão para aprofundar a questão moral da riqueza e da pobreza, segundo o ensino social da Igreja.

No Antigo Testamento encontramos uma dupla postura em relação aos bens econômicos e a riqueza. Por um lado, há um grande apreço em relação à disponibilidade dos bens materiais considerados necessários para a vida. Por vezes a abundância ― não a riqueza e o luxo ― é vista como uma bênção de Deus. Os bens econômicos e a riqueza não são condenados por si mesmo, mas pelo seu mau uso. A tradição profética estigmatiza as fraudes, a usura, a exploração, as injustiças descaradas e frequentes em relação aos mais pobres (cf. Is 58,3-11; Jr 7,4-7; Os 4,1-2; Am 2,6-7; Mq 2,1-2).

A mesma tradição profética vê nos pobres um símbolo da situação do homem diante de Deus; d’Ele provêm todos os bens como dons a serem administrados e partilhados. Pobreza boa é aquela diante de Deus, quando o pobre procura Deus. A pobreza, quando é aceita ou procurada com espírito religioso, predispõem ao reconhecimento e à aceitação da ordem criatural.

A pobreza assume valor moral, quando se manifesta como humilde disponibilidade para Deus e confiança n’Ele. Estas atitudes tornam o homem capaz de reconhecer a relatividade dos bens econômicos que devem ser tratados como dons a serem administrados e partilhados, uma vez que a propriedade é de Deus.

Em contraposição, o “rico” é aquele que põem a sua confiança mais nas coisas que possui do que em Deus; é o homem arrogante que se faz forte pela obra de suas mãos e que confia somente nessa força.

No NT, Jesus assume toda a tradição do Antigo Testamento sobre os bens econômicos, a riqueza e a pobreza, conferindo-lhe uma definitiva clareza e plenitude.

Impulsionado pelo Espírito Santo, liberto do mal e reintroduzido na comunhão com Deus, o ser humano pode continuar a obra de Jesus: fazer justiça aos pobres, resgatar os oprimidos, consolar os aflitos, buscar ativamente uma nova ordem social, em que se ofereçam adequadas soluções à pobreza material e venham impedidas mais eficazmente as forças que dificultam as tentativas dos mais fracos de se libertarem de uma condição de miséria e de escravidão. Quando isto acontece, o Reino de Deus se faz já presente, ainda que imperfeitamente, sobre esta terra.

À luz da Revelação, a atividade econômica deve ser considerada e desenvolvida como resposta agradecida à vocação que Deus reserva ao ser humano. Uma boa administração dos dons recebidos (uma boa administração econômica) é obra de justiça para consigo mesmo e para com os outros homens. O que recebemos do Criador deve ser bem utilizado, conservado, acrescido, tal como ensina a parábola dos talentos (cf. Mt 25,14-31; Lc 19,12-27).

A atividade econômica e o progresso material devem ser colocados a serviço do homem e da sociedade. Se a eles nos dedicarmos com a fé, a esperança e a caridade dos discípulos de Cristo, a própria economia e o progresso podem ser transformados em lugares de salvação e de santificação; nesses âmbitos também é possível dar expressão a um amor e a uma solidariedade mais humana e contribuir para o crescimento da humanidade renovada, que prefigure o mundo dos últimos tempos.

Jesus sintetiza toda a Revelação pedindo a nós que nos enriqueçamos diante de Deus (Lc 12,21): também a atividade econômica e o empreendedorismo são uma forma de enriquecer diante de Deus, quando não trai a sua função de instrumento para o crescimento global do homem e da sociedade e da qualidade humana da vida.

Por Dom Julio Endi Akamine SAC

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