O Inferno

A doutrina do inferno causa dificuldades para muitas pessoas e, no entanto, a reta compreensão dele é essencial para entender a relação entre Deus e o homem. Além disso, a própria compreensão do que seja o céu fica prejudicada se não entendermos bem o que é o inferno.

A comunhão de amor que Deus quer para todos é oferecida livremente e espera uma acolhida igualmente livre. Ela não pode ser imposta, pois o amor não pode ser forçado. Por sua própria natureza, o amor a Deus é livre. O mistério da liberdade e da responsabilidade humanas nos obriga a ter presente, portanto, a possibilidade de uma recusa de Deus. Somente se essa possibilidade for real, é real também nossa liberdade que só se torna plena na acolhida do amor que Deus nos oferece.

A recusa do amor de Deus se exprime no ódio contra Ele e contra o irmão, no fechamento diante do próximo e de suas necessidades. Quem se obstina nessa atitude e nela é surpreendido pela morte, fica separado definidamente de Deus. O condenado, na realidade, se autoexclui da comunhão com Deus e com os salvos. Por isso, rigorosamente falando, Deus não fez o inferno; fazem-no as escolhas livres das criaturas que dEle se separam. Deus não inflige aos condenados o mal; são eles que abandonam o Bem supremo (Santo Agostinho, En. Ps. 5,10). Deus não manda ninguém ao inferno; é o pecador obstinado que se separa e não quer entrar na casa do Pai. Deus não quer propriamente punir os condenados, mas, estando eles privados de todos os bens, sofrem o estado definitivo de inferno.

Nesse sentido, é preciso insistir que o inferno não nega absolutamente a infinita bondade de Deus. Pelo contrário, afirma paradoxalmente o imenso respeito que Deus tem pela liberdade do ser humano que foi criado à sua imagem. Deus não quer, em momento algum, anular a liberdade: sem a liberdade um ser não é humano; sem ela, salvação alguma é humana, tampouco há possibilidade de acolhida do amor e da graça de Deus.

Se a liberdade nos dá a possibilidade de acolher tão grande graça do amor de Deus, o abuso da liberdade é também o que nos faz perdê-lo. Nesse sentido, são oportunas as palavras de Jesus que mostram a gravidade da escolha diante da qual toda pessoa se encontra na vida. Por isso, sem esquecer a bondade e a misericórdia divinas, é irresponsabilidade minimizar as duras expressões de Jesus sobre o inferno (Mt 5,22.29; 10,28; 13,41-50; 25, 41; Mc 9,43-48).

O ensinamento da Igreja segue a mesma linha das afirmações fundamentais de Jesus sobre o inferno. Deus quer que todos sejam salvos, e a Igreja rejeita veementemente a ideia da predestinação ao mal e ao inferno. É o pecado mortal e a obstinação nele que provocam a condenação. O mistério da liberdade humana aparece em toda a sua gravidade e seriedade ante essa possibilidade tremenda da autoexclusão da salvação.

O sofrimento do inferno consiste na separação de Deus, uma vez que a felicidade do ser humano e os bens que ele aspira e para os quais foi criado se encontram somente nEle.  Constitui também o sofrimento do inferno a separação dos outros e do cosmo. Em contraste com a felicidade do céu, que é comunhão com Deus, com os outros e com o cosmo renovado, a pena do inferno decorre da relação negativa com o Criador, com a realidade criada e da perversão da relação que todos somos chamados a ter com o mundo transformado.

A pregação sobre o inferno é uma proclamação da Boa Nova da responsabilidade que cada um tem ante as escolhas que faz na vida. O nosso destino eterno inclui também o exercício da nossa liberdade. Por isso, temos a necessidade da conversão contínua. Uma vez que desconhecemos o dia e a hora de nossa morte, quando seremos chamados a prestar contas de nosso viver, somos chamados a uma vigilância diuturna e devemos nos unir à oração da Igreja pela salvação de todos.

Muitos se perguntam: serão poucos os que se salvam? Tal pergunta já tinha sido feita a Jesus (cf. Lc 13,23ss). A questão do inferno não pode ser posta em terceira pessoa (eles são muitos ou poucos?), mas somente em primeira pessoa (eu estou no caminho da salvação?). Cada um de nós deve ter consciência do fato de que pode se fechar à graça de Deus e do fato que, nas próprias decisões que toma, está em jogo o seu destino eterno. Ao mesmo tempo, pode e deve confiar na graça de Deus e esperar da Sua misericórdia o dom da salvação para si e para os outros.

 

Por Dom Julio Endi Akamine SAC

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