A humanidade e a natureza anseiam ardentemente a paz porque, no final das contas, toda a criação é um reflexo do próprio Deus da paz. Enquanto criaturas, trazemos impressas as marcas das mãos de Deus no barro do nosso ser: fomos criados para a paz e não para a guerra. Isso nos obriga a optar por práticas e por políticas que evitem o conflito entre pessoas e grupos sociais.
Na revelação bíblica, a paz é muito mais do que a simples ausência de guerra: ela representa a plenitude da vida. Longe de ser apenas uma construção humana, é dom divino precioso oferecido a todas as pessoas, o que inclui a obediência ao plano de Deus, plano esse que corresponde à natureza humana: trata-se de uma vontade de plenitude, não de penúria; de felicidade, não de tristeza; de harmonia, não de desordem; de paz e não de violência.
Seguindo os princípios bíblicos, proponho aos leitores desta coluna 10 mandamentos da paz.
- A paz é mais do que um projeto humano desejado pelas pessoas; é primeiramente um atributo essencial do próprio Deus, ou seja, constitui a sua própria natureza. Ser Deus é o mesmo que ser Paz.
- A paz é reconciliação com os irmãos. Por isso, Jesus ensinou na oração do Pai-nosso a associar o pedido de perdão ao oferecido aos irmãos. “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Com esta dupla reconciliação, o cristão pode se tornar artífice da paz e, portanto, ser obediente a Deus.
- A paz é fruto da justiça, porque ela está em perigo quando ao ser humano não lhe é reconhecido o que lhe é devido, quando não é respeitada a sua dignidade, quando a convivência não é orientada ao bem comum. Para a construção de uma cultura da paz é essencial a promoção dos direitos humanos.
- A paz é fruto do amor porque a função da justiça é remover os obstáculos para a paz, mas a sua plenitude é ato específico do amor. Justiça e amor nunca estão desvinculados na construção da paz. A justiça é a medida mínima do amor, e o amor leva à plenitude a própria justiça. É isso o que nos ensina o salmo quando promete: “A bondade e a fidelidade outra vez se unirão, a justiça e a paz se abraçarão” (Sl 84,11).
- A paz só é possível através da reconciliação. Não é fácil perdoar diante das consequências da guerra e dos conflitos. É preciso paz nos tratados. É necessária a paz da confiança. É sumamente necessária a paz nos corações. Na guerra, a violência deixa sempre uma herança pesada de dor que somente pode ser aliviada quando os contendores são capazes de enfrentar os abismos da desumanidade e da desolação com uma atitude purificada pelo arrependimento. O peso doloroso do passado não pode ser esquecido e varrido para debaixo do tapete da história e das consciências. Sem reconciliação com o passado, sem atingir a justa reparação (e nunca a vingança, mesmo que controlada), sem o perdão reciprocamente oferecido e recebido, a cultura da paz não lança raízes nos tratados, na sociedade e nos corações.
- A paz requer a verdade. O perdão não anula as exigências da justiça, tampouco bloqueia o caminho que leva à verdade. Justiça e verdade representam os requisitos concretos da reconciliação. Nesse sentido, são oportunas as iniciativas que tendem a instituir Organismos judiciários internacionais para apurar a verdade sobre crimes perpetrados durante conflitos armados. Outra iniciativa louvável é a instituição de Comissão da verdade para julgar comportamentos delituosos ativos ou omissos. Tais iniciativas são importantes não somente para estabelecer a justa reparação, mas principalmente para restabelecer o recíproco acolhimento entre povos e pessoas divididos pelos conflitos.
- A paz é um bem indivisível. Ela não é uma mercadoria que possa ser feita em pedacinhos para que cada um tenha a sua paz privada. Ou a paz é possuída por todos ou não é possuída por ninguém. Assim impor a segurança em detrimento de grupos sociais desprotegidos não constrói a paz autêntica e duradoura.
- A paz é uma ordem de tal modo vivificada e integrada pelo amor, que as necessidades e exigências alheias são sentidas como próprias. É uma convivência na qual cada um faz o outro participar dos próprios bens.
- A paz só pode ser imposta com a própria paz. Ela nunca se separa dos deveres da justiça e se alimenta do sacrifício de si próprio, pela clemência, pela misericórdia e pela caridade.
- A paz necessita da oração. A Igreja católica luta pela paz com a oração. A oração não é fuga do compromisso social. É o modo como nós abrimos o coração não só para uma profunda relação com Deus, mas também ao encontro com o próximo sob o signo do respeito, da confiança, da compreensão, da estima e do amor. A oração infunde coragem e dá apoio a todos os verdadeiros amigos da paz.
Por Dom Julio Endi Akamine SAC
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