Recebi um comentário sobre o tema da Campanha da Fraternidade Ecumênica: “Jesus não disse: Ide e dialogai; e sim: Ide e evangelizai!”
Esse comentário revela uma compreensão de evangelização em contradição com o diálogo. Será ela correta? A evangelização exclui por si mesma o diálogo? O anúncio explícito de Jesus Cristo como Salvador absoluto proíbe que o evangelizador entre em diálogo com os fiéis de outras religiões? O diálogo inter-religioso é uma desobediência ao mandato missionário de Jesus aos discípulos: “Ide pelo mundo inteiro e proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15)?
Para responder a essas questões, convido o leitor a recordar o que S. João Paulo II ensinou na quaresma de 1979, no início do ministério pontifical. A missão da Igreja é de fato evangelizar. Tal missão, porém, não se realiza desprezando as outras tradições religiosas. O Papa S. João Paulo, nesse sentido, recordou que o documento do Concílio Vaticano II dedicado às religiões não cristãs é um “documento cheio de estima profunda pelos grandes valores espirituais, ou melhor, pelo primado daquilo que é espiritual, e que encontra na vida da humanidade a sua expressão na religião. Justamente os Padres da Igreja viam nas diversas religiões como que germes do Verbo” (RH 11). Em outras palavras, a evangelização nunca é uma ação destruidora dos elementos positivos presentes nas religiões não cristãs ou de imposição de uma fé.
Quando falamos de diálogo, é preciso levar em conta uma riqueza de significados importante para a sua prática. Em primeiro lugar, diálogo significa comunicação recíproca, para alcançar um fim comum e também uma comunhão interpessoal. Em segundo lugar, o diálogo pode ser considerado como uma atitude de respeito e de amizade, que está presente, ou deveria estar presente, em todas as atividades que constituem a missão evangelizadora da Igreja. Em terceiro, no contexto de pluralismo religioso, diálogo significa o conjunto das relações inter-religiosas, positivas e construtivas, com pessoas e comunidades de outros credos para um conhecimento mútuo e um recíproco enriquecimento, na obediência à verdade e no respeito à liberdade (cf. DA 9). Compreendido nessa riqueza de significados, o diálogo não se contrapõe ao anúncio, nem constitui uma ação alheia à evangelização.
Diálogo é também evangelização, e a evangelização inclui, como elemento integrante, o diálogo.
Existem formas diferentes de diálogo inter-religioso. Há o diálogo da vida, onde as pessoas se esforçam por viver em espírito de abertura e de boa vizinhança, compartilhando as suas alegrias e tristezas, os seus problemas e as suas preocupações. Há o diálogo das obras, onde os cristãos e os outros colaboram em vista do desenvolvimento integral e da libertação da gente. Há o diálogo dos intercâmbios teológicos, onde os peritos procuram aprofundar a compreensão das suas respectivas heranças religiosas, e apreciar os valores espirituais uns dos outros. Há o diálogo da experiência religiosa, onde pessoas radicadas nas próprias tradições religiosas compartilham as suas riquezas espirituais, por exemplo, no que se refere à oração e à contemplação, à fé e aos caminhos da busca de Deus e do Absoluto (DA 42).
O diálogo requer uma atitude equilibrada tanto da parte dos cristãos como da parte dos seguidores das outras tradições. Não deveriam ser nem demasiado ingênuos nem hipercríticos, mas abertos e acolhedores (DA 47).
Isto não significa que, ao entrar em diálogo, devam ser postas de lado as próprias convicções religiosas. Pelo contrário, a sinceridade do diálogo inter-religioso exige que se entre nele com a integralidade da própria fé. Ao mesmo tempo, permanecendo firmes na sua fé em Jesus Cristo, os cristãos não devem esquecer que Deus também se manifestou de certo modo aos seguidores das outras tradições religiosas (cf. DA 48).
Além disso, a plenitude da verdade recebida em Jesus Cristo não dá aos cristãos, individualmente, a garantia de terem assimilado de modo pleno essa verdade. A verdade não é algo que possuímos, mas uma pessoa por quem devemos nos deixar possuir. Embora mantendo intacta a sua identidade, os cristãos devem estar dispostos a aprender e a receber dos outros e por intermédio deles os valores da própria fé em Cristo. Assim, mediante o diálogo, podem ser induzidos a vencer os preconceitos, a rever as ideias preconcebidas e a aceitar, por vezes, que a compreensão da sua fé seja purificada (cf. DA 49).
Longe de enfraquecer a fé, o verdadeiro diálogo aprofunda-a no cristão. Assim o cristão que dialoga poderá tomar maior consciência da própria identidade cristã e compreender mais claramente os elementos distintivos do Evangelho. A sua fé se abrirá a novas dimensões, ao mesmo tempo em que descobre a presença operante do mistério de Jesus Cristo para além dos confins visíveis da Igreja e do rebanho cristão (cf. DA 50).
AS CONDIÇÕES DO DIÁLOGO
Um decálogo para encontrar-se na Palavra
Bruno Forte
1. Não há diálogo sem humildade. Dialogar com o outro exige humildade. Ao se colocar a escuta do outro e renunciando a qualquer pretensão de domínio sobre ele, abre-se caminho para a verdade, a qual todos devemos obediência.
2. Não há diálogo sem escuta. A escuta é necessária ao diálogo. É preciso fazer calar os preconceitos e os temores, estar aberto ao novo, ser respeitoso à estranheza do outro, acolhendo-o com confiança como hóspede interior, desejar ardentemente viver a causa comum da verdade e do amor que salva.
3. Não há diálogo sem admiração. O diálogo cria desorientação, sobretudo interior: o assombro, o ver o mundo com outros olhos, o se sentir parte e não o tudo, o entrar no jogo e o arriscar desorientam, mas também livram das falsas resistências e capacitam a pessoa para acolher a verdade donde quer que ela provenha.
4. Não há diálogo sem uma língua comum. O diálogo não existe se não falamos uma língua comum, compreendendo as palavras do outro e, sobretudo, escutando o coração e a vida dos quais elas provêm: diálogo é “encontro na palavra” (dià-logos).
5. Não há diálogo sem silêncio. O diálogo tem necessidade do silêncio tanto para escutar e refletir sobre o que é proposto pelo outro, quanto para exprimir uma proximidade autêntica. Tal proximidade é, muitas vezes, melhor veiculada pelo silêncio do que pelas muitas palavras. Não pronunciarás palavras verdadeiras, se antes não tiveres caminhado longamente as sendas do silêncio.
6. Não há diálogo sem liberdade. Para se abrir ao diálogo e vivê-lo é preciso estar livre de si mesmo, disposto a se colocar em questão; livre dos outros, rejeitando os condicionamentos e os medos que às vezes eles impõem; livre para obedecer somente à verdade, que liberta (cf. Jo 8,32).
7. Não há diálogo sem perdão. Quem quer dialogar precisa desobstruir a mente e o coração de todo ressentimento ou ferida das ofensas recebidas: fazendo memória, o coração é purificado com o pedido e a oferta do perdão.
8. Não há diálogo sem conhecimento. A ignorância do outro, da sua cultura e do seu mundo vital está na base das incompreensões e dos fechamentos: para dialogar é preciso conhecer o outro e se fazer conhecido dele.
9. Não há diálogo sem responsabilidade. Quem dialoga nunca deverá esquecer a rede de relações humanas da qual provém e é responsável: o diálogo não elimina, pelo contrário, faz crescer o senso de responsabilidade que cada um tem em relação ao bem comum.
10. Não há diálogo sem verdade. Quem não quer partilhar as próprias razões de viver, crer, esperar, amar, quem não tem paixão pela verdade não saberá dialogar. No diálogo, o coração se abre para Aquele que é a Verdade, o Deus vivente, que veio habitar em quem – dialogando com Ele – acolhe o Seu amor.
Congresso Diocesano, 16-17 de setembro de 2011 (Tradução: Dom Julio Akamine)
Crédito da foto: Osservatore Romano
Por Dom Julio Endi Akamine SAC
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