A Campanha da Fraternidade deste ano propõe que a religião seja tema de nossas conversas! Normalmente, o tema da religião é evitado nas conversas porque acaba na briga, no desentendimento e, às vezes, nas ofensas recíprocas.
Esse tema deve ser evitado? Ou somos nós que devemos aprender a dialogar? Como pessoas de fé diferente podem dialogar de modo positivo e construtivo?
Há algumas exigências psicológicas indispensáveis para quem deseja entrar na prática do diálogo inter-religioso. É preciso um “espírito de simpatia” em relação aos outros e às suas tradições religiosas. Começar acusando o outro de “estar sob o domínio de satanás”, impede na sua origem qualquer possibilidade de diálogo. O esforço sincero de superar os preconceitos, a abertura de espírito que possibilita descobrir a presença do Mistério no outro, a humildade de caminhar junto com o outro em busca da verdade, são algumas disposições psicológicas necessárias para o diálogo.
Além dessas, há outras exigências que fazem parte da própria natureza do diálogo. Cada dialogante deve procurar entrar na experiência religiosa do outro para compreendê-la a partir de dentro. Conhecer a religião do outro é mais do que se informar sobre a sua tradição religiosa; implica em se esforçar para penetrar no sentido que há para o outro, por exemplo, o ser hindu, hebreu, budista, etc.
Isso é apenas um ideal abstrato ou há algum exemplo concreto? Para quem desejar constatar como isso já ocorreu na prática, indico refletir sobre o documento de Abu Dhabi, reproduzido na encíclica Fratelli tutti (n. 285). O documento testemunha uma comunhão profunda, estabelecida a partir da partilha de experiência religiosa entre o Papa Francisco e o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb.
A partir desse exemplo concreto, outras exigências do diálogo podem ser descobertas.
Antes de tudo, não se pode, com o pretexto de honestidade, pôr entre parênteses a própria fé em Cristo, mesmo que provisoriamente. A honestidade do diálogo requer que os dialogantes entrem no diálogo com a integridade da própria fé. Sem essa exigência, o diálogo perde o seu objetivo. A fé religiosa está na base da religião. Ela não é negociável no diálogo, da mesma forma como não o é na vida pessoal. Não é um bem que possa ser barganhado; é um dom de Deus que não pode ser tratado sem reverência. No diálogo inter-religioso, “quanto mais profunda, sólida e rica for a identidade, mais enriquecerá os outros com a sua contribuição específica” (Fratelli tutti, 282)
O diálogo não admite o sincretismo que tenta passar por cima das oposições e contradições entre convicções religiosas diversas. Tampouco tolera o ecletismo que escolhe elementos de religiões diferentes e os combina em um amálgama incoerente. O diálogo tampouco busca o caminho fácil do irenismo que procura dissimular as diferenças entre as religiões.
Exigência do diálogo é que as diferenças e as contradições entre religiões não sejam ignoradas, subestimadas, dissimuladas. Cada um dos dialogantes deve fazer um esforço sincero de manifestar a integridade da própria fé ao outro e, juntos, procurar a verdade. Dissimular as diferenças é o mesmo que trapacear e iludir o outro.
As diferenças não devem desanimar, pois o diálogo é exatamente isso: compreensão na diversidade e no questionamento recíproco.
Ao mesmo tempo que o cristão nunca dissimula a sua fé em Cristo, reconhece que o outro, tem o direito e o dever de exprimir suas convicções pessoais e eventual reivindicação de universalidade de sua crença. Tais convicções não podem ser relativizadas no diálogo.
Se a seriedade do diálogo proíbe a relativização da pretensão de universalismo da própria fé, a sua abertura exige que não seja absolutizado o que é relativo por incompreensão e intransigência. Uma coisa é a consciência do relativo, outra é a relativização do absoluto.
No diálogo inter-religioso, cada um dos dialogantes é desafiado a retornar às fontes da própria religião e a se concentrar no essencial: a adoração a Deus e o amor ao próximo. Assim se evita que as diferenças doutrinais, tiradas de seu contexto, alimentem formas de desprezo, ódio, xenofobia.
Respeitando essas exigências, o diálogo testemunha que entre as religiões é possível um caminho de paz, pois “a violência não encontra fundamento algum nas convicções religiosas fundamentais, mas nas suas deformações” (Fratelli tutti, 282).
Por Dom Julio Endi Akamine SAC
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