Sexta-feira da 5ª Semana TC
Gn 3,1-8
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Se tudo é bom desde a origem pela criação de Deus, e se o ser humano é a coroa de um universo excelente, como se explica a presença do mal? O bem e o mal são a divisão mais radical que nós experimentamos não só nos outros, mas em nosso próprio coração. Se Deus, ao criar, viu que tudo era muito bom, como podemos explicar esse drama que divide as pessoas e o próprio coração?
O Gênesis descreve com acerto a nossa experiência atual da vida neste mundo.
Desejamos viver e não só sobreviver, mas a morte nega esse nosso desejo e por isso experimentamos a morte como mal definitivo e a dor como sua antecipação. Além disso, a terra, que foi criada para dar frutos, produz espinhos. O trabalho é fatigante e pouco produtivo. A fecundidade e a geração de filhos, que pertence ao que é próprio da mulher, é acompanhada de dores lancinantes. Também a atração erótica que deveria conduzir ao encontro pessoal entre homem e mulher está contaminada de dominação e de abuso.
O Gênesis descreveu a situação original como boa, mas atualmente vivemos uma outra situação. Por isso, entre a nossa situação atual e a bondade dos inícios deve ter ocorrido algo que perturbou e desordenou a obra da criação.
A leitura que ouvimos descreve, em forma de relato, a ruptura que provocou a degradação da condição humana. Trata-se do pecado das origens, ou como diz a teologia, do pecado original. Prestemos atenção: a forma de relato pode nos levar a pensar que o pecado, conforme descrito no Gênesis, tenha acontecido somente uma vez em um passado distante, mas o que o Gênesis nos ensina que o que é relatado como um fato do passado, na verdade, continua acontecendo hoje.
Vejamos juntos.
A serpente se aproximou da mulher e astutamente perguntou: “É verdade que Deus vos disse: Não comereis de nenhuma das árvores do jardim?” A serpente é, de fato, muito astuta. Ela sabia que Deus não tinha proibido o casal original de comer de todas as árvores do jardim. Fez essa pergunta falsa porque queria chamar a atenção para a proibição. Havia muitas árvores no jardim, e a mulher nem mesmo deveria se lembrar do fruto proibido, mas a pergunta da serpente chamou a atenção para o que era proibido. Não é isso o que acontece também conosco? Há tantas coisas boas que podemos desfrutar e que podemos praticar, mas nosso olhar sempre se volta para o que é proibido.
A mulher respondeu: “do fruto das árvores do jardim, nós podemos comer. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus nos disse: Não comais dele nem sequer toqueis, do contrário, morrereis”. A serpente alcançou o seu objetivo: não só chamou a atenção para o que era proibido, mas, fazendo isso, provocou na mulher a insegurança. De fato, Deus não tinha proibido de tocar, somente de comer. Exagerando a proibição, a mulher mostra que a sua vontade já fraqueja e, por isso, necessita de cercar o proibido de proibições maiores.
Essa é também a nossa situação. Muitas proibições não foram impostas por Deus, mas foram criadas e acumuladas por nós, exatamente porque nossa vontade não está firmemente ancorada na vontade de Deus. Precisamos multiplicar as proibições, mas isso não garante a nossa obediência a Deus, se não aderirmos de todo coração à vontade de Deus.
A serpente lança então o ataque final: “Deus sabe que no dia em dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal”. Deus proibiu de comer do fruto, não por uma intenção de amor, mas porque não deseja que o ser humano cresça e conheça tanto o bem quanto o mal. A serpente tira a base da proibição divina, uma base de amor. Ela acusa Deus de ser mal intencionado, e, por fim, promete que eles serão como Deus. Preste atenção: a tentação consiste em propor ao ser humano que conheça por experiência direta o mal.
Muitas vezes, pensamos como a serpente. Achamos que devemos conhecer tudo por experiência direta.
A serpente disse que Deus tinha proibido de comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal porque Deus não queria Adão e Eva sábios: conhecedores do bem e do mal. O que a serpente não explicou aos nossos primeiros pais é que Deus conhece o mal abstratamente sem experiência direta, ou seja, pela negação de sua bondade e seu amor. O ser humano, porém, comendo do fruto, iria conhecer o mal experimentalmente e, por isso, se tornaria escravo dele.
Deus quer que conheçamos a doença como um médico saudável a conhece. Ele não desejou que a conhecêssemos ficando doente. A grande mentira de Satanás é a de vender o conhecimento do mal como bem e a sua ignorância como um mal. Mas a realidade é exatamente a inversa: entre o conhecimento experiencial do mal e a sua ignorância é melhor esta última.
É só examinar a vida concreta com objetividade. Pergunte a você mesmo: o fato de você ter conhecido o pecado por tê-lo experimentado diretamente, isso o fez mais sábio ou mais escravo do mal? Ao pecar, você não desprezou essa forma de conhecimento, não se sentiu mais infeliz por tê-lo experimentado? Quantas pessoas já disseram a você: “Queria nunca ter experimentado a droga, a bebida alcoólica?, arrependo-me do primeiro real que roubei?” Essas pessoas seriam realmente mais sábias se tivessem sido ignorantes do pecado. É uma grande mentira achar que para “conhecer a vida” se deva “experimentar o mal”. Por acaso um doutor é mais sábio porque está infectado pela doença que deveria curar?
Outra grande mentira é a de que as pessoas inocentes não sabem o que é a tentação. Os inocentes, porém, conhecem mais sobre a força da tentação do que aqueles que nela caem. Como se conhece a força da correnteza de um rio? Nadando a favor ou contra a corrente? Os que se deixam levar pela tentação se desculpam dizendo que a tentação é muito forte. No entanto, quem melhor conheceu a força da tentação foi Jesus porque a venceu. Ninguém melhor do que Ele conhece a força da tentação, exatamente porque não cedeu a ela.
Depois do pecado, Adão e Eva tiveram sim seus olhos abertos, mas em vez de experimentar a sabedoria, perceberam que estavam nus. A nudez é a experiência do estado de indigência, pecado e de escravidão. Por isso eles se escondem de Deus.
Uma última pergunta devemos nos fazer: é verdade que Deus não quer que sejamos como Deus? O mistério da encarnação nos mostra que o desejo mais verdadeiro e ardente de Deus é que nós sejamos como Ele. Então onde está a diferença entre a vontade de Deus e da serpente? A diferença consiste no fato de que Deus deseja que sejamos Deus em comunhão de amor com Deus. A serpente deseja que sejamos deus, sem Deus e contra Deus.
Por Dom Julio Endi Akamine SAC
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