Quinta-feira Santa – In coena Domini
Jo 13,1-15
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A liturgia da Palavra desta missa de hoje é essencial para a compreensão de todo o mistério da páscoa. Não podemos ir diretamente para o domingo da ressurreição, porque isso significaria não compreender nem viver a Páscoa. A Páscoa é essencialmente a eucaristia. Sem eucaristia não fazemos a Páscoa.
É surpreendente a escolha da Igreja para falar da eucaristia. Foi escolhido para nós o Evangelho de João que narra o sinal do Lava-pés. Há no evangelho de João todo um capítulo dedicado ao tema do Pão da vida, mas não é essa a parte escolhida para a liturgia de hoje. Não se trata de uma escolha arbitrária, é uma escolha ditada pela sabedoria milenar da Igreja que tem meditado e vivido a Escritura.
O evangelho que acabamos de ouvir está marcado por uma mudança decisiva na missão de Jesus: chegou a hora! “Jesus sabia que tinha chegado a hora”. Tudo que Ele tinha feito e ensinado até agora foi em função desta hora: ela finalmente chegou. No que consiste esta hora? Jesus sabia que tinha chegado a hora de passar deste mundo para o Pai; tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”. A hora de Jesus é a Páscoa-passagem: ele passa deste mundo para o Pai. A sua morte na cruz não é o fracasso e a derrota é a passagem para o Pai. É também a hora em que o amor de Jesus pelos seus chega ao fim: não como término, mas como o extremo do amor. De novo, a morte de Jesus não sela a sua derrota, mas é a expressão máxima do amor de Jesus: Ele ama até o extremo; nada reservou para si, tudo gastou, tudo consumiu, tudo entregou até não sobrar mais nada. Ele se esgota até o fim no amor! Exatamente por isso que a hora de Jesus é também a hora da ressurreição.
Esses dois elementos constituem a hora de Jesus: a sua passagem para o Pai e o seu amor extremado pelos seus.
A hora de Jesus está marcada por uma batalha decisiva: está presente o demônio que luta contra Jesus. A menção do traidor revela essa batalha: “o diabo já tinha posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, o propósito de entregar Jesus”. Quem é o mais forte: o ódio traidor ou o amor que se sacrifica? Da resposta a essa pergunta depende também a nossa vida. Se o ódio traidor é o mais forte, a nossa vida só será possível se formos duros, impiedosos.
Para exprimir o amor que chega até o fim, até o extremo de entregar a vida, Jesus cumpre um gesto escandaloso: Ele lava os pés dos discípulos, presta um serviço de escravo. Ele o Mestre, o Senhor, o Salvador, está aí de joelhos diante dos apóstolos, lavando-lhes os pés. Não é um gesto simplesmente exterior. Exprime toda uma vida: Jesus não lavou os pés somente no fim da vida; lavou os pés sempre; durante toda a vida, lavou os pés até o fim.
Jesus mostrou com o gesto e com a vida que quem ama se põe a serviço. Servir é o modo concreto de amar. Sem serviço, o amor é pura teoria e abstração. Depois do lava-pés, Jesus explica o sentido do seu gesto: “vós me chamais de Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa”.
Notem como é importante o gesto de amor de Jesus. O amor de Jesus provoca, impulsiona e sustenta o amor fraterno. Ele lavou os nossos pés para que nós nos coloquemos a serviço uns dos outros. O amor de Jesus acende uma maravilhosa centelha de amor em cadeia, provoca uma admirável propagação de amor, inicia um círculo virtuoso de serviço. O mundo dos homens se torna definitivamente uma comunidade de pessoas que se amam até o sacrifício da vida porque Jesus amou os seus que estavam no mundo. Essa comunidade de pessoas que se amam tem um nome: Igreja!
Lavar os pés, porém, significa também purificar. Lavando os pés, Jesus purifica os discípulos. Lavar resume, nesse sentido, toda a missão de Jesus: Ele veio para nos purificar dos pecados. Para que possamos estar em plena comunhão com Jesus, Ele nos lava os pés. É isso o que ele explica a Pedro: “se eu não te lavar, não terás parte comigo”.
A missão de Jesus tem como finalidade que tenhamos parte com Ele, que sejamos recebidos na comunhão com Ele. Jesus deseja nos associar a Ele na Igreja. Assim a morte e a ressurreição de Jesus, além de estar ligada à passagem de Jesus para o Pai e ao seu amor até o fim, nos obtém a purificação dos pecados e a comunhão com Jesus.
A morte e a ressurreição de Jesus, porém, não são eficazes para nós se nós não aderirmos a Ele através da fé e do amor. Sem fé e sem amor, o lava-pés não tem eficácia de purificação. É o que aconteceu com Judas Iscariotes. Ele estava presente, teve os seus pés lavados por Jesus, mas continuou manchado: “vós estais limpos, mas não todos! Jesus sabia quem o ia entregar. Por isso disse: ‘nem todos estais limpos’”.
Jesus morreu também por Judas Iscariotes. Jesus não o excluiu da súplica que fez na cruz: “Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem”. Certamente Ele procurou o rosto de Judas entre a multidão como tinha feito com Pedro. Ele olhou para Pedro, e esse olhar faz Pedro se arrepender e chorar amargamente. Infelizmente, nem a morte de Jesus pode salvar se nós não acolhermos com fé e amor a Jesus. Judas teve os pés lavados, mas não acolheu esse sinal na fé e por isso não se beneficiou do perdão dos pecados.
Jesus desejou ardentemente celebrar a Páscoa porque desejava ardentemente criar uma comunidade de amor entre os homens; uma comunidade fundada no seu amor extremado. Por isso era necessária uma purificação de tudo aquilo que contradiz este amor de Jesus e este amor dos discípulos. A única forma de impureza que torna ineficaz esse amor é representada pela traição de Judas. É por isso que Jesus não aceita fazer o que Pedro pediu: lavar não só os pés, mas também as mãos e a cabeça. A lavagem quantitava de nada serve se a qualitativa não for possível.
A eucaristia é o meio sacramental que Jesus instituiu para que o seu amor realizado até o fim se perpetuasse até o fim dos tempos. Na Eucaristia, Jesus cumpre a sua passagem deste mundo para o Pai e nos ama até o fim. Na eucaristia, Jesus ama até a morte, até o sacrifício de sua vida. Deste amor nos alimentamos e com ele somos transformados. Para viver este amor entre nós, precisamos ser purificados por Jesus, mas tal purificação reclama a nossa adesão de fé.
Hoje chegou também a nossa hora! Hora de nos decidir! Hora de nos deixar amar e purificar. Hora de amar com o mesmo amor! Pode ser também a hora em que o diabo põe no coração o projeto de trair Jesus! De que lado vamos estar?
Por Dom Julio Endi Akamine SAC
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