Comentário ao Evangelho – QUARTO DOMINGO ANO A – 29.01.23

QUARTO DOMINGO ANO A

Mt 5,1-10: As Bem-aventuranças

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Todos nós desejamos a felicidade e nesta busca da felicidade podemos seguir vários caminhos. Alguns podem seguir os caminhos do mundo, procurando a felicidade na força e na riqueza. Não demora muito, esses descobrem que se trata de um beco sem saída: a felicidade tão desejada se distancia cada vez mais.

Jesus proclamou as bem-aventuranças como um programa de uma felicidade que se expande de maneira poderosa. Trata-se de um programa de existência feliz.

Devemos notar que este programa não é pura teoria, pois o próprio Jesus viveu as bem-aventuranças de modo perfeito. Por isso, se quisermos entender bem as bem-aventuranças, é preciso olhar para Jesus.

Mais. Os cristãos, que escutaram o grande anúncio da felicidade, são também os pregoeiros e as testemunhas da felicidade. Esta é a norma de vida da igreja.

Bem-aventurados os pobres de espírito porque deles é o reino dos Céus (5,3)

Os pobres são os que padecem miséria no mundo, são os pobres materiais, os perdidos da terra, os famintos, os que padecem, no mundo da opressão, o desamparo, a impotência. O Reino de Deus é graça.

Todavia Mateus explicitou esta palavra quando diz os pobres em espírito. Ao acrescentar “de espírito” quis referir-se aos que assumem voluntariamente a pobreza dentro da Igreja; poderiam realizar-se como ricos, cultivar seu próprio bem, buscando suas vantagens; contudo à luz do Evangelho preferiram a pobreza. São pobres por seu espírito, isto é, por decisão consciente, programada.

A riqueza deste mundo é destruidora, pois divide as pessoas e os leva a se dominarem uns aos outros. Por isso são felizes os pobres materiais, aqueles que são marginalizados e explorados da vida: Deus está do lado deles. Mas também são bem-aventurados os que optaram pelo caminho da pobreza.

Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados (5,4)

A maior parte das pessoas quer se libertar, eliminando o sofrimento; por isso o evitamos, esquecendo os males que nos cercam, caminhando como cegos, como surdos, no meio de uma terra em que milhões de pessoas choram. Ficamos presos em nossa gaiola de ouro de nossa auto-suficiência. Drogamo-nos e nos alienamos.

Pois bem, o Evangelho sabe que não existe felicidade verdadeira no esquecimento e na indiferença. Temos que assumir nosso próprio sofrimento, como um tipo de pobreza radical, com simplicidade e coragem e aceitando o dom do Reino como nosso consolo. São felizes aqueles que assumem interiormente o sofrimento com maturidade e alegria.

Também aqui poderíamos falar de pessoas que choram “em espírito”, isto é, assumem a dor dos outros para solidarizar-se, para acompanhar e ajudar os aflitos.

Bem-aventurados os mansos, porque eles possuirão a terra (5,5)

Mansos são aqueles que não impõem um jugo dominante aos outros; acolhem e ajudam os outros sem colocar fardos sobre seus ombros (vinde a mim todos vós que estais cansados e sobrecarregados e eu vos aliviarei, porque sou manso e humilde de coração e o meu jugo é suave e meu peso leve).

Os mansos herdarão a terra. Não a herdam os que tentam conquistá-la com exército e riqueza, com astúcia e com guerra. Em vez de libertá-la, eles a destroem. Contra eles, Jesus pronuncia sua bem-aventurança: quem pretende receber a herança da terra tem que vir de forma humilde, mansamente, sem violência.

O manso não é um fraco. Pelo contrário é criativo e tenaz. Está empenhado em libertar a terra e vive em gesto de confiança para com os outros. Escolhe a pobreza, assume o sofrimento.

Este é o paradoxo que Jesus veio trazer à terra: os que tentam impor sua força dominando os outros destroem a vida das pessoas e aniquilam a terra; só os que buscam mansamente e colaboram com os outros, cheios de esperança, constróem a cidade de amor para os homens.

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão saciados (5,6)

Os mansos não são indiferentes. Estão cheios de zelo pela casa de Deus e por isso têm fome e sede de justiça.

Fome e sede indicam um desejo originário da vida: são a força que mantém os homens em ação e os leva à busca e conquista dos bens materiais. Pois bem, o Evangelho quer que despertemos uma forma diferente de inquietação e de desejo: fome e sede de justiça.

Justiça significa a plenitude do Evangelho, o dom de Deus aberto aos pobres, aos perdidos e humilhados da terra. Não é justiça a atitude daquele que pretende respeitar a ordem existente, de modo que cada um se feche no que lhe é próprio. Segundo a tradição bíblica, justiça significa amor que age: é compaixão, ajuda aos pobres, solidariedade comprometida.

A justiça tende a fartura, a injustiça é divisão, carestia, opressão.

Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia (5,7)

Alcançarão misericórdia de quem? De Deus. Os misericordiosos serão tratados misericordiosamente por Deus. Quem é misericordioso terá misericórdia de Deus.

Conforme os princípios deste mundo, a gente só adquire aquilo que é capaz de conquistar por meio da violência; devo negar ou escravizar os outros a fim de realizar minha vida.

Pois bem, o Evangelho inverte o princípio dizendo: “Dai e vos será dado” (Lc 6,38). A vida é graça e só ali onde se exprime gratuitamente surge a felicidade verdadeira. Tenho o que ofereço, conservo o que dou. Dessa forma, sou misericordioso: entro na lógica de Deus que oferece a vida a todos os viventes.

Bem-aventurados os puros de coração porque eles verão a Deus (5,8)

Os doutores da Lei procuravam ter mãos limpas, ou seja, estavam somente preocupados em seguir as leis e suas tradições. A pureza deles era pureza de sangue, de raça, de costumes sócio-religiosos, de conhecimentos e de normas. É a pureza de um grupinho separado do conjunto dos outros. Cristo pelo contrário busca a limpeza de coração.

Bem-aventurados os que promovem a paz, porque eles serão chamados filhos de Deus (5,9)

Paz não é resultado da força, não se consegue com violência. A paz é sempre graça. Só aparece ali onde as pessoas quebram a lógica do interesse, do domínio de uns sobre os outros.

Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus (5,10)

Não podemos ser cristãos sem riscos e perigos. Os bem-aventurados de Jesus não buscam abrigo de um lugar seguro, não fogem para o intimismo. Eles apresentam o programa de vida e de alegria de Jesus nas praças e nas ruas onde estão as pessoas. Sua mensagem é de inversão dos valores e princípios deste mundo.

Esta mensagem não se impõe pela violência e nisto reside o risco. Este risco pertence ao núcleo radical do Evangelho.

Por Dom Julio Endi Akamine SAC

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