24ª Domingo do TC A
Mt 18, 21-35
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Sete vezes ou setenta vezes sete? O sentido é idêntico: não há limite para o perdão. A regra observada entre os judeus era três vezes. Quando Pedro fala em sete vezes ele pensava estar apresentando para Jesus uma regra extraordinariamente generosa.
A resposta de Jesus não pede um perdão quantitativo (490 vezes), mas qualitativo. A vingança deve ceder lugar ao perdão ilimitado do cristão.
Além disso, o perdão cristão deve funcionar a despeito da ausência de arrependimento. Já não é fácil perdoar quando o ofensor se arrepende; muito mais exigente é o perdão setenta vezes sete. Lembremo-nos, entretanto, que Cristo, na cruz, perdoou aos seus inimigos. Cristo trouxe para o mundo uma nova lei, um padrão muito elevado de perdão. E ele quer que esse seja o padrão de perdão praticado pelos cristãos. Deseja que com o perdão os cristãos vençam o ódio e que provoquem o arrependimento dos próprios ofensores.
Essa atitude de perdão só pode ser resultado de um progresso espiritual que não é inerente à personalidade humana. Nem o homem comum, tampouco o crente comum tem capacidade de demonstrar um perdão tão ilimitado assim. Os apóstolos tinham fé bastante para operar milagres, mas não o bastante para realizar esse milagre moral. Isso mostra que o milagre do perdão que segue o modelo de Cristo, é um milagre maior do que qualquer prodígio físico.
A fé é elemento fundamental para a prática das virtudes cristãs sobretudo do perdão e da misericórdia.
A parábola
A dívida colossal de 10 mil talentos (100 milhões de denários = 273.972 anos de trabalho) nos fornece vários indícios. Certamente o servo era uma pessoa investida de grande autoridade, como um Governadore de Província do Império, e de grande confiança do rei. Somente assim se explica tal empréstimo. Além disso, pode-se conjeturar que aquele servo gastara esse dinheiro no decurso de muito tempo. Ignorara as suas responsabilidades e abusara de sua posição e autoridade por longos anos. Esse servo representa aquele que recebeu privilégios e oportunidades de Deus e que merece, por sua desonestidade e abuso de confiança, o mais duro castigo.
O rei manda vendê-lo como escravo e também sua família, porque não podia pagar a dívida. Trata-se de uma punição bastante branda. O rei não pode reaver o dinheiro emprestado, e exige o pagamento segundo as possibilidades do servo. Na realidade, o servo mereceria um juízo muito mais severo.
As palavras do devedor parecem demonstrar humildade, que ele reconhece os seus erros e deseja corrigir a situação. Será que isso é verdade? As palavras do devedor soam mentirosas também por causa do montante da dívida: ela é impagável.
O rei, movido de compaixão, perdoa a dívida. Ele acreditou nas boas intenções daquele servo. Seria essa a minha reação diante de uma pessoa que prevaricou, desperdiçou os bens e abusou da minha confiança?
A parábola revela que o Patrão é não movido pelas palavras do servo nem pela sua improvável sinceridade, mas pela compaixão. Ele não é movido pelo servo. O que move o rei não vem de fora, mas do seu coração. O rei reconhece o estado de miserabilidade daquele servo, e essa constatação, por si mesma, produz no rei a compaixão e o amor que se manifestam no perdão.
O servo e sua família ficam livres de serem vendidos. O empréstimo foi totalmente esquecido e perdoado. Ele não perde sua posição e autoridade. Certamente o rei esperava que o perdão garantisse no futuro a boa conduta daquele servo, que ele tivesse aprendido a lição.
Deus perdoa totalmente, sem importar os merecimentos do indivíduo, mas sempre esperando que seu perdão transforme a personalidade. A misericórdia divina, apesar de oferecida gratuitamente, não é algo destituído de base (Cristo) e não é algo sem alvo e sem propósito (conversão).
Ao sair, aquele empregado encontrou um dos seus companheiros. Salta aos olhos o primeiro contraste: o servo foi perdoado por alguém que lhe era superior, que tinha autoridade de tirar-lhe a vida, mas usou de misericórdia. Imediatamente ele encontra um seu companheiro, servo como ele, a quem ele se recusa perdoar.
O outro contraste é ainda mais evidente: a enorme diferença na quantia dos empréstimos. Cem denários equivaliam a um dia de trabalho. Reduzindo à expressão decimal, a dívida do companheiro era o equivalente a 0,000002% da dívida perdoada.
Além disso, essa quantia de maneira alguma teria afetado a sua situação financeira. Poderia perdoar o companheiro sem grande prejuízo econômico. Não era necessário sequer usar de misericórdia, bastava usar um pouco de bom senso. É provável inclusive que o servo nem tivesse muita certeza da quantia correta.
Acrescente-se ainda que não se tratava de um acerto de contas, pois ele o encontrou por acaso enquanto saía da presença do rei.
Por fim, o contraste das atitudes entre o rei e o servo: este trata seu companheiro sem qualquer humanidade. Age movido apenas motivado por um espírito amargo, irracional e cruel. Não se lembra de que, momento antes, o rei lhe mostrara um espírito totalmente diverso para com ele e que, com muito menos razão para tanto, lhe perdoara a dívida. Ele exige pagamento imediato: agarrou-o pelo pescoço e o sufocava. “Paga o que me deves”.
“Dá-me um prazo e eu te pagarei”. São as mesmas palavras, a mesma atitude humilde, a mesma necessidade de misericórdia que o servo expôs ao rei, mas com uma grande diferença: no primeiro caso teria sido impossível o pagamento do débito.
“Ele não quis saber disso”. Esqueceu completamente do perdão recebido. Pior. Movido por ignorância e maldade, não reconheceu que o perdão do rei requer uma conduta melhor, gratidão, arrependimento e misericórdia para com os outros. Não mudou de atitude e, por isso, demonstra não ter aceitado o perdão. Esse homem sem modificar sua personalidade pelos benefícios que recebera da parte do rei, continua agindo como antes: pródigo no uso dos recursos do rei, mas totalmente sem misericórdia para com os outros em suas falhas que eram bem menos graves do que as suas.
“Mandou jogá-lo na prisão”. O servo exigiu o máximo castigo que o caso permitia.
“Servo perverso”. O rei pode compreender e perdoar a ignorância, a desonestidade nas finanças, as fraquezas, o erro e as falhas; mas não perdoa a injustiça, a desumanidade, a crueldade e a ingratidão. A condenação do rei contra essas coisas é sem apelo. Aquele homem não compreendeu o perdão do rei e, por isso, não age com a mesma misericórdia e magnanimidade. Não praticou um único ato, mesmo pequeno, que demonstrasse compaixão pelos outros. Na primeira oportunidade que teve de ser misericordioso, demonstra incompreensível ingratidão.
Jesus nos ensina que todos nós nos encontramos na situação daquele servo. Todos nós recebemos grande compaixão de Deus e o seu perdão por meio de Cristo. O cristão que se recusa perdoar os outros de suas ínfimas dívidas, que não tem compaixão pelos outros e não usa de simpatia para com os semelhantes, mostra ingratidão enorme e a mesma maldade do servo da parábola.
Trata-se de uma nova Lei que exige um novo coração; é o vinho novo em odres novos. Os verdadeiros discípulos de Cristo devem aprender a nova lei do reino, e essa nova moral requer um tipo de humanidade diferente.
Jesus mostrou que o servo tinha recebido muito mais do que pediu, mas que nada deu a quem lhe pediu.
A abundância da misericórdia deve formar a base da nova lei dos cristãos. Como nos apresentaremos diante do grande Rei, se não nos perdoarmos mutuamente?
Por Dom Julio Endi Akamine SAC
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