7º Domingo TC – Ano A
Mt 5,38-48
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A violência não é um tema para a reflexão, mas uma realidade na qual todos nós estamos envolvidos. Ela nunca é solução para os conflitos, é uma mentira contrária à verdade de Deus e à verdade do homem.
No Gênesis (Gn 4,1-8), temos a história de Caim e Abel que não é só um relato de um passado distante e superado. Infelizmente, descreve em linguagem narrativa o que tem se repetido: o irmão que mata seu irmão! Sim, a grande tragédia da violência consiste na morte do outro que não é somente seu semelhante e sim o seu irmão. Por isso, tanto a vítima quanto o autor da violência são, a seu modo, destruídos por ela. Toda violência é sempre uma negação da fraternidade, e todo homicídio é fratricídio.
No relato bíblico, Deus dirige sua palavra a Caim para demovê-lo do pecado contra o irmão. O fato de Deus não ter olhado para a oferta de Caim não significou, portanto, a sua rejeição. Se Deus tivesse rejeitado Caim, se não o amasse profundamente, Ele não teria dirigido a sua palavra a Caim. Prestemos atenção: Deus não falou com Abel; falou com Caim!
O que Deus falou? Falou a Caim sobre a fraternidade que o unia a Abel: “por que estás irado? E por que está abatido o teu semblante (contra o teu irmão)? Se praticares o bem, sem dúvida poderás reabilitar-te. Mas se procederes mal, o pecado estará à tua porta, espreitando-te; mas tu deverás dominá-lo” (Gn 4,6-7).
Como é acertada esta Palavra! “Se praticares o bem, poderás reabilitar-te”. A mera punição não servirá para reabilitar as pessoas se estas não praticarem o bem. Sem a prática do bem, a punição é sofrimento vazio que aguarda a oportunidade da vingança; sem a prática do bem as leis punitivas só serão respeitadas na medida em que os delitos não sejam descobertos; sem a prática do bem, a penitenciária não passa de um local de enfurecimento; sem vencer o mal com o bem, a violência nunca será superada em nós e nos outros.
Deus falou a Caim, mas Ele continua repetindo a nós: “se procederes mal, o pecado estará à tua porta, espreitando-te”. Infelizmente Caim não deu ouvidos à advertência de Deus. Continuou cultivando ódio e tramando contra o seu irmão até que o pecado, como fera que espreita de tocaia, atacou Caim, e este matou o seu irmão. Com efeito, o pecado é como a fera que arma emboscada e ataca para nos dominar e nos escravizar.
Não há alternativa: fazemos o mal e permitimos sermos presas do pecado ou praticamos o bem e nos reabilitamos.
O pecado de Caim desencadeou a espiral da violência. Lamec foi um dos filhos de Caim e introduziu a poligamia ao se casar com duas mulheres, Ada e Sela. Fez crescer a violência a desmedida ao declarar a “lei da vingança”: “Escutai as minhas palavras: Por uma ferida matei um homem, e por uma contusão matei um menino. Se Caim será vingado sete vezes, Lamec será vingado setenta vezes sete” (Gn 4,23-24).
Este relato do Gênesis não descreve uma triste realidade do passado, mas nos adverte contra um perigo muito atual. A lei de Lamec é a lei da vingança. Por sua própria natureza, a vingança é descontrolada e desenfreada. Deixada a si mesma, a vingança não conhece proporção entre dano e punição. Qualquer mínima ofensa provoca uma vingança injustificada. Quantos hoje sofrem privação de liberdade por ter reagido sem controle a uma ofensa mínima!
Quem nos salvará do Lamec que mora dentro de nós?
A lei do talião foi uma tentativa de nos salvar da lei de Lamec. Na realidade o Talião (“olho por olho, dente por dente”) representa uma conquista civil importante e um salto de qualidade da civilização humana. Ela procurava reagir contra a vingança incontida. Demarca assim a linha divisória entre a vingança e a justiça. A justiça consiste no equilíbrio entre a ofensa recebida e a ofensa devolvida: para fazer justiça é preciso punir o ofensor com a mesmo ofensa. Não haverá justiça, se o ofensor não receber a mesma ferida que provocou em outra pessoa. Essa lei foi fixada no Código de Hamurabi, 18 séculos antes de Cristo.
Infelizmente vemos que a Lei do Talião não consegue conter a lei de Lamec. Hoje vemos como a vingança tende a se impor nas relações pessoais e na vida social. Por medo, por não acreditar mais nas instituições, por cansaço ou por convicções falsas, muitos começam a acreditar que a Lei de Lamec seja o único muro de contenção para a criminalidade. A violência, porém, nunca constitui uma resposta justa nem solução para os problemas, pois ela acaba por destruir o que ambiciona defender: a dignidade, a vida, a liberdade dos seres humanos.
Jesus ao estabelecer “não enfrenteis o malvado! Pelo contrário, se alguém te dá um tapa na face direita, oferece-lhe também a esquerda! Se alguém quiser abrir um processo para tomar a tua túnica, dá-lhe também o manto! Se alguém te forçar a andar um quilômetro, caminha dois com ele!” leva a linha divisória entre vingança e justiça para além do que podíamos imaginar.
Para vencer a violência, é preciso renunciar a vingança. Assim “dar a outra face, deixar que levem o manto e caminhar dois quilômetros” significa uma revolução no enfrentamento da violência. Consiste em vencer o mal com o bem. Não vencemos a violência com a violência, ainda que ela seja regulamentada e proporcional àquela recebida. Só venceremos a violência com a prática do bem, bem para o ofensor e o ofendido, bem comum e pessoal.
Para superar a violência é preciso que a dignidade humana seja respeitada na sua verdade e integralidade. É preciso também educar para a paz.
“Para edificar a paz, é preciso eliminar as causas das discórdias entre os homens, que são as que alimentam as guerras, sobretudo as injustiças. Muitas delas provêm de excessivas desigualdades econômicas e do atraso em lhes dar remédios necessários. Outras, porém, nascem do espírito de dominação e do desprezo das pessoas; e, se buscamos causas mais profunda, nascem da inveja, da desconfiança e da soberba humanas, bem como de outras paixões egoístas. Como o homem não pode suportar tantas desordens, delas provém que, mesmo sem haver guerra, o mundo está continuamente envenenado com as contendas e violências entre os homens” (GS 83).
“Para associar os homens entre si, não basta a identidade da sua natureza; é necessário ensinar-lhe a falar a mesma linguagem, isto é, da compreensão; a usufruir uma cultura comum; e a compartilhar os mesmos sentimentos. De outro modo, o homem preferirá encontrar-se com seu cão, a encontrar-se com um homem estranho” (Sto. Agostinho).
Por Dom Julio Endi Akamine SAC
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