A Língua Incontrolável

São Tiago escreveu sobre a necessidade de controlar a língua (Tg 3,1-10). Essa é uma virtude escassa nos dias de hoje.

Para explicar essa necessidade urgente, ele recorreu a imagens visuais.

Uma imagem é a do leme. Minúsculo em relação ao navio, não só lhe dá a direção, mas também aos ventos impetuosos que o impelem. Assim controlar a língua não é somente dominar as próprias palavras, mas ser senhor do próprio comportamento mesmo em situações de grande tensão interna ou externa: “Aquele que não peca no uso da língua é um homem perfeito, capaz de refrear também o corpo todo”. Nesse sentido, o freio aparece como uma imagem sugestiva: posta na boca de animais fogosos, o freio obriga a montaria a ir para onde o cavaleiro quer. É a mesma lição: a pessoa que tem domínio das suas palavras revela-se alguém que não é dominado pelas paixões próprias ou alheias.

Comparando o tamanho da língua com o corpo, São Tiago ainda ajunta outra imagem. Nosso pequeno órgão muscular é como a faísca que provocou os incêndios no pantanal, na caatinga e na floresta amazônica. Uma minúscula faísca criminosa ou espontânea reduziu a cinzas a biodiversidade desses biomas, lançou na atmosfera não somente fumaça, mas os corpos da flora e da fauna em forma de vapor poeirento. A conclusão dessa imagem: “A língua é o universo da malícia!” Como uma pequena fagulha incendeia uma floresta, assim a língua pode tragicamente destruir a existência humana e a convivência entre as pessoas. A língua está infectada de um poder infernal aniquilador.

São Tiago é pessimista em relação à nossa capacidade de controlar a própria língua: “Toda espécie de feras, de aves, de répteis e de animais marinhos pode ser domada pela espécie humana. Mas a língua, nenhum ser humano consegue domá-la: ela é um mal que não desiste e está cheia de veneno mortífero”! Pessimismo ou realismo? Penso que São Tiago teve muitas experiências relacionadas ao descontrole da língua. Se São Tiago vivesse hoje e visse o que se posta nas redes sociais e o que se declara em certa assembleia legislativa de nosso país, certamente sua avaliação seria ainda mais triste. Imaginemos o que São Tiago diria se, na sua época, houvesse os movimentos digitais de ódio que associam pessoas contra o inimigo para a sua destruição. Hoje pululam formas insólitas de agressividade, com insultos, xingamentos, difamações para destroçar a figura do outro, em um desregramento tal que se existisse no contato pessoal acabariam por destruir todos nós. Em tempos passados, na era do telefone, nós não podíamos dizer as coisas que hoje podem ser pronunciadas com toda a grosseria e o máximo de desprezo.

Da mesma boca saem bênção e maldição”. A língua tem grande poder construtivo ou destrutivo a depender do que a pessoa fala. “Com a língua bendizemos o Senhor e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens feitos à imagem de Deus”. A língua pode ser fonte dos louvores mais sublimes, mas pode mostrar toda a sua monstruosidade destrutiva.

A advertência de São Tiago, no entanto, não está centrada unicamente na necessidade de dominar a língua. Tudo o que ele diz sobre a língua e os danos que seu descontrole pode causar tem, na verdade, uma intenção mais profunda. Quer advertir sobre as qualidades que uma pessoa que deseja ser mestre deve ter. Com efeito, São Tiago faz uma advertência severa: “Sabeis que nós, os mestres, estamos sujeitos a julgamento mais severo!” São Tiago mestre exorta seus ouvintes ou leitores a não darem ares de mestres, sem mais nem menos. Se o uso da língua é tão ambíguo e perigoso, no mestre o dano é mais grave.

São Tiago acentua a enorme responsabilidade daqueles que são encarregados de interpretar e ensinar a Palavra de Deus ao povo e, por isso, se dirige aos que emitem opiniões com tanta convicção como incompetência nas matérias relacionadas com a religião. É por causa disso que São Tiago mostra como são poucos os homens perfeitos no domínio da língua. A incapacidade de dominar a língua se torna particularmente grave quando essa incapacidade está nos que tem a função de ensinar e de liderar os outros.

O mestre deve saber controlar a língua e, por isso, também o seu comportamento. Essa advertência feita a quem pretende ser mestre é de uma enorme atualidade. Infelizmente temos visto pessoas, investidas de encargos importantes, por não terem o domínio sobre a própria língua, em vez de unir e de exortar para a prática do bem, insuflam ódio e divisão entre as pessoas, semeiam discórdia na sociedade, insultam pessoas e instituições e envenenam a convivência humana. Uma língua descontrolada é terrivelmente deletéria. E se for a língua de uma pessoa investida de autoridade causa ainda maior destruição.

Fica, portanto, o alerta para nós! Especialmente para os que se arrogam o encargo de mestres dos outros ou foram eleitos para serem representantes do povo.

 

Por Dom Julio Endi Akamine SAC

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