A fé é um ato pessoal (Eu creio), e exatamente por isso é, ao mesmo tempo, um ato eclesial (nós cremos). “Eu creio” e “nós cremos” são duas faces da mesma moeda que exprimem a verdade da fé cristã: um ato pessoal e participado. O “eu creio” é tão carregado de significado e de responsabilidade, quanto o “nós cremos” é comovente e expressivo. Um não anula o outro. O “nós cremos” não limita o “eu creio”, e o “eu creio” não pode ser pronunciado com coerência sem o “nós cremos”. Presumir que se professe a fé em primeira pessoa, prescindindo do fato de que essa profissão é realizada primeiramente pela Igreja, equivale a desnaturar o próprio ato do crer cristão. Na profissão de fé, a Igreja aparece antes de tudo como sujeito da fé.
É claro que são sempre os fiéis que individualmente dizem: “creio” ou “cremos”; mas se se prestar atenção na profissão da fé feita durante a celebração litúrgica, se verá que, no fim das contas, é a Igreja o verdadeiro sujeito que fala “creio.
Essa realidade pode ser melhor explicitada através de três proposições. A Igreja é sujeito do ato de crer porque: 1) a fé da Igreja é anterior à fé dos indivíduos, 2) a fé da Igreja é maior do que a fé dos indivíduos, 3) a fé da Igreja é anterior até mesmo aos Escritos do Novo Testamento.
A fé da Igreja é anterior à fé dos indivíduos porque é o seu fundamento. Toda fé é, nesse sentido, participação na fé da Igreja e fé no seio dela. Ninguém inventa a fé por conta própria. Ela só é possível como fé compartilhada com os outros. Em outras palavras, a fé dos indivíduos está alicerçada na comunidade de todos os que professam, vivem e celebram a mesma fé.
Esse enraizamento da fé dos indivíduos na fé da Igreja não se refere apenas aos contemporâneos, mas também aos antepassados. Fé significa comunhão com todos os que, ao longo dos séculos, tiveram a coragem, suscitada pela graça, de crer, de esperar e de amar na comunidade de fé. A fé é comunhão com toda a Tradição viva da fé, que remonta, por sua vez, através das gerações, até a fé apostólica das origens e à pessoa histórica de Jesus.
A fé da Igreja é, portanto, maior do que a fé dos indivíduos. Como indivíduos, estamos sempre sujeitos às coordenadas do espaço e do tempo, ao contexto histórico em que vivemos e às vicissitudes da própria vida, breve como a flor que de manhã viceja e à tarde fenece e murcha. Assim a fé individual nunca poderá atualizar plenamente toda a fé da Igreja.
A fé, no cristão individual, pode permanecer “informe” – falta-lhe algo –, mas na Igreja a fé tem sempre sua plenitude: ela une o povo da Aliança com o Deus da Aliança mediante o vínculo eficaz da caridade. Por isso é necessário que o fiel e a Igreja se mantenham sempre abertos à amplidão da “comunhão dos santos”.
Dito de maneira mais pessoal: na assembleia dominical, quando digo “creio”, experimento que não creio somente com minha fé – sempre limitada e sujeita a hesitação e fraqueza –, mas recebo o consolo de crer com a fé de S. Paulo e S. Pedro, de Santo Agostinho e de Santo Tomás, de João Paulo II, de D. Helder Câmara e de Madre Tereza de Calcutá. A genuína fé cristã sempre possui a inteireza sem unilateralismo da fé de todo Povo de Deus, a heroicidade sem compromisso dos mártires, a verdade sem desvios dos doutores, a confiança e a entrega dos prediletos de Deus e a amplidão da fé da Igreja toda, desde Abel até o último justo.
Por fim, a fé da Igreja é anterior aos escritos do Novo Testamento. Os estudos exegéticos mostram que a origem dos Quatro Evangelhos e dos outros escritos do Novo Testamento depende da comunidade primitiva. Em sua forma escrita, a Palavra de Deus é posterior à existência da Igreja dos Apóstolos: primeiro a Igreja Apostólica recebeu a revelação divina e a tradição dos Apóstolos e a testemunhou pela palavra (pregação), pela eucaristia (liturgia) e pela vida (martírio e serviço), e só depois os escritos do Novo Testamento apareceram como fixação escrita da fé vivida pela Igreja. A Palavra de Deus foi escrita primeiramente no coração dos fiéis e só depois, nos meios materiais. Os escritos do Novo Testamento são Palavra de Deus exatamente porque são o testemunho inspirado e consignado por escrito do desígnio histórico-salvífico de Deus realizado visivelmente na Igreja. Justamente por ser a autoexpressão escrita da fé da Igreja apostólica, a Escritura tornou-se, para a Igreja, posterior norma non normata (norma suprema) da fé e da fidelidade da Igreja. Por isso quando a Igreja lê a Escritura, reconhece-se nela e reconhece nela sua própria fé.
Há uma verdadeira e perene osmose entre Igreja e Escritura: a Igreja recebe, contém e transmite a Escritura; a Escritura reúne a comunidade. “Onde a Sagrada Escritura é separada da voz viva da Igreja, torna-se vítima das controvérsias dos peritos” (Bento XVI, Homilia de posse da Basílica do Latrão, 7 de maio de 2005).
Por Dom Julio Endi Akamine SAC
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